sábado, 30 de janeiro de 2021

Conversa Pacífica

Outro dia encontrei um contrafilé realmente barato no supermercado. Eu deveria ter suspeitado. Contudo eu tinha acabado de ter dois princípios de infarto agudo do miocárdio: um na seção do arroz e outro na do óleo de soja. Daí a alegria de achar carne barata foi tamanha que aplacou minha larga  experiência em ser enganado pelo comércio do Rio de Janeiro. 

Cheguei no churrasco da família tirando onda:

- Que isso? Alcatra? Fraldinha? Toma aqui o entrecote seus pobre!

Entrecote é um tipo de contra filé metido a besta que vem numa embalagem menor e mais cara. O meu nem era, mas passei álcool em gel na embalagem, borrou tudo, ninguém ia dizer que não era. 

Papai, churrasqueiro mor da família:

- Ooooo do entrUcote

- Entrecote pai

- Chama do que quiser. Seu contrafilé tá podre.

Tava mesmo.

Foi uma comoção total no churrasco. Mamãe intimou:

- Vai no mercado trocar. 

- Ih mãe, já joguei a nota fora, o mercado é longe, a embalagem tá borrada, eu já....

- Não interessa. Você não vai ficar no prejuízo. Vai trocar agora - olhou pro sofá da sala - e leva sua irmã junto.

- Por que eu mãe? - Perguntou minha irmã olhando por cima dos óculos.

- Por que eu tô mandando. Você tem quarenta anos mas ainda sou sua mãe.

- Trinta e nove mãe

- Não interessa, vai com seu irmão.

E lá fui eu no mercado ouvindo as queixas da minha irmã. Quem ouvisse ia achar que era briga. Mas é que minha irmã mora em Caxias. Uma conversa pacífica em Caxias tem alguns decibéis a mais que as dos cariocas. Que convenhamos já não é baixa.

Cheguei no mercado. Minha irmã ficou no carro.

- Vai lá resolver isso que vou ficar aqui vendo o insta.

Procurei o gerente, era uma mulher, ela me pediu a nota. Eu expliquei que nesses tempos de COVID eu jogo tudo fora, sacola, nota o escambau. Ela foi irredutível dizendo que sem nota não tinha como dar baixa no sistema e tal. Eu argumentei, citei o código do consumidor, o Belchior, o profeta Jeremias... Nada adiantou.

Cheguei no carro derrotado com meu pacote de carne podre. Minha irmã me olhou, revirou os olhos...

- Agora entendi a mãe... Me dá isso aqui.

Seguiu pro mercado pisando alto e balançando as ancas. Eu fiquei de longe olhando, mas pude ouvir o início da conversa. Ela é de Caxias eu já expliquei isso aqui. Na terceira frase o locutor começou a anunciar a promoção do alho a granel, abafando a conversa para minha tristeza e para a tristeza da  metade das pessoas no mercado. 

Mas, pelo balançar das cadeiras e o dos braços, posso atestar que ela citou um pouco mais que o código do consumidor, o Belchior e o profeta Jeremias.

Ela subiu para uma sala no mezanino da loja e minutos depois voltou em minha direção.

- Não tem mais essa porcaria de contrafilé. Venderam tudo. 

- E aí?

- Vão trocar por picanha.



 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional

7 comentários:

  1. Uma irmã assim que eu queria.
    😂😂😂😂😂

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  2. aaaahhhhh, Deusa abençoe a Baixada Fluminense salvadora de churrascos.🙏

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  3. Um pouco de diplomacia da Baixada resolve muita coisa hahahahaha
    Se tivéssemos um caxiense no Itamaraty no lugar daquele lunático do Ernesto Araújo o problema da importação de vacina já tinha sido resolvido.

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  4. Sensacional!!! Tem coisas que só uma mulher resolve!!!

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  5. Kkkkkkkkkk. Boa demais. As mães sempre sabem de tudo...as mulheres né?

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  6. Kkkkkkkk
    Sua irmã é sensacional!!!
    Bj Cláudia

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