Recém-acendido
à nova classe média brasileira, fui atingido pelo raio gourmetizador, e vejam
só vocês, logo no departamento da cevada. Mal influenciado pelos meus novos
amigos abastados entrei numa de tomar cerveja puro malte, alta fermentação,
produzida artesanalmente, uma frescura só. Não demorou muito para o meu bolso e
a austeridade da minha patroa me convencerem de que a propaganda do governo
estava errada. Esse papo de classe C é uma ova. O cobertor melhorou, agora é de
algodão egípcio, mas continua curto.
Malandro
carioca não desiste. Fuçando na rataria da Lapa descobri que comprando direto com
o produtor, consegue-se preços factíveis. A qualidade do malte lá de casa não
precisa ser comprometida desde que o São Google me de o endereço da fonte. Na
realidade não inventei nada. Desde os tempos da hiperinflação papai, que não
ascendeu à classe C, já sabia disso. A gente ia fazer a feira com agricultor lá
do Rio do Ouro e papai me explicava: - Meu filho, o mal do mundo é o
atravessador, ele paga menos ao produtor, cobra a mais da gente e fica rico à
custa de todos.
Daí, no dia
do trabalho, vejo Vossa Excelência Eudardo Cunha, cujo partido é da “base
aliada do governo”, dividindo palanque da Força Sindical – Heim? – Com a outra
Excelência do Aéc-i-o-u, maior ícone das vogais e da oposição brasileira. – Essa coligação é mais esquisita que o Frankenstein,
uma colcha de retalhos de péssima qualidade. Mas não vou criticar a esquisitice
da atual política partidária brasileira, talvez em outra crônica, agora quero
focar no discurso.
A despeito do
que aprendi com papai e comprovei na prática com a implantação da nova política
econômica de aquisição de cervejas para o Bar do Lapinha. Eles tentavam me
convencer de que: ao invés de vender minha mão de obra direto pra o patrão, é
muito melhor eu negociar com um atravessador. Pera aê cara-pálida, me explica
isso direito. Terceirização deixa o hortifrúti mais caro, deixa a cerveja mais
cara logo... vai deixar a minha mão de obra mais cara... Não? Se entre eu e o
patrão houver um atravessador, não tem como melhorar, o cara vai querer
realizar o lucrinho dele. Euzinho vou ficar mais caro. Enfim, posso me dar mal,
mas o patrão vai junto. Ideia mais sem futuro essa...
Eis que para
o meu espanto, o também excelentíssimo e tucanudo presidente da FIESP Benjamin
Steinbruch, assume o microfone para, pasmem, levantar a bandeira da
terceirização. O cara explicou tudinho, o trabalhador terceirizado tem todos os
diretos garantidos, blá, blá. E ainda assim sai muito mais barato para as
empresas, é bom para os negócios.... Ao que parece para o patronato é muito
melhor NÃO adquirir mão de obra na fonte – Eeeeepa! Essa conta não fecha
malandragem. Se é tudo igualzinho e ainda tem no meio a mais valia do
atravessador, não tem como sair mais barato! Não faz sentido matemático.
Tive que
novamente recorrer às minhas fontes da alta cúpula intelectual da Zona Norte, a
fim de desvendar as partes ocultas dessa história. Aluísio, sujeito bom de
pôquer que toma uma comigo toda quarta-feira me explicou o seguinte:
- Os
contratos possuem prazo de validade, normalmente dois anos. Esse é o tempo
máximo que um trabalhador pode ficar sem férias. Ao fim deste período eles
normalmente te demitem e te recontratam por uma nova empresa prestadora de
serviço (atravessador).
- Pô Legal!
Você não perde o emprego e ainda saca o fundo de garantia!
- É lapinha,
mas nessa já estou cinco anos sem férias. Eles até me pagam, mas eu não gozo do
período de descanso...
Paga sem
gozar... Entendi. Daí fomos interrompidos pelo JP, um negão tricolor metido à
comuna - ainda não consigo entender como um negão comuna da Zona Norte pode ser
tricolor - mas isso também é papo para outra crônica, vamos nos ater ao
discurso do JP:
- A
terceirização é o fim da carreira profissional, estou doze anos em prestadoras
de serviços e em toda renovação de contrato eu me ferro. Minha experiência
profissional não conta pra nada.
- Como assim
JP? Que papo de sindicalista petralha é esse?
- Ué,
normalmente quando renovam o contrato pedem um profissional com dois três ou no
máximo quatro anos de experiência. Daí eu, que estou no ramo faz tempo, me vejo
nessa sinuca, ou aceito um salário de novato ou perco a vaga pra um moleque.
Isso se chama arrocho salarial Lapinha. Institucionalizado. Sistematizado. Minha
carreira parou nos quatro anos, o tempo adicional não me serve pra nada. Na
realidade ás vezes até atrapalha. Tenho que o tempo todo provar que não fiquei
obsoleto, ultrapassado...
Não vou
transcrever toda a conversa que tivemos no bar porque não demorou muito pra ela
descambar pra mais provinciana sacanagem. Mas aquela pesquisa sociológica em
Del Castilho me revelou a variável oculta deste algoritmo draconiano da
terceirização: cinismo. É um sistema cruel que desqualifica o ser humano a
pretexto de fazer-lhe um favor. Trata pessoas como mercadoria, como peça de
reposição. Eles, no parlamento, querem nos empurrar este engodo goela abaixo com
a desculpa de que ele vai dinamizar o nosso sistema industrial. Bravata! A
desoneração de nossas empresas deve se dar pela via da modernização, da
desburocratização e da reforma tributária. A espoliação dos trabalhadores, a
pesar de uma prática antiga, não é uma trilha factível. É um caminho ladrilhado
por injustiça, por maldade e por discriminação.
O slogan do
nosso deputado e pastor evangélico Eduardo Cunha é: “Afinal de contas, o nosso
povo merece respeito”. Ele repete isso o tempo todo com o sorriso mais lindo do
mundo estampado no rosto. Vocês precisam ver. Enfim, se você, amigo leitor, se identificar
como parte integrante do povo deste cidadão, só pode ser por dois motivos. Ou
você é um grande capitalista, ou está precisando frequentar uns bares lá em Del
Castilho para, com ou sem o perdão da palavra, deixar de ser otário.