quarta-feira, 23 de dezembro de 2020
Meu ideal seria uma história de Natal
domingo, 20 de dezembro de 2020
Bolo quente
Explico, o bolo quente está no ápice de sua gostosura. É perfeito. Macio, tenro, sai aquela fumacinha que carrega todos os aromas. Os sabores explodem na sua boca. Sente-se a manteiga, o leite, o açúcar. A pessoa sente até a brisa da hora que o grão de trigo foi colhido. Mas mamãe tem uma regra:
- Não pode comer bolo quente que dá dor de barriga.
- Dá o que mãe? Isso não faz o menor sentido.
- Espera amornar... Vai te dar piriri.
Esse “espera amornar” só serve para o bolo perder 40% de seu sabor, e no verão do Rio isso demora quatro séculos e meio para acontecer. Grande perda de tempo.
- Vocês se formam, leem, viajam e começam a achar que o conhecimento dos antigos é só crendice.
- Não apela mãe.
- Então come, você tem quarenta anos, é pai de família, sabe de tudo né? Come então.
- Mãe não é isso.
- Agora eu quero ver você comer.
Comi.
O que tenho a dizer é que o bolo estava simplesmente espetacular. Mamãe tem mãos de fada, era uma broa de milho fofinha. Por cima uma casquinha quase imperceptível de queijo. Gotas de goiabada salpicadas no meio da massa numa proporção diminuta, no ponto de incrementar a doçura sem roubar o protagonismo. Um café para acompanhar, olha... Vocês estão vendo que estou me esforçando, mas não dá para descrever a delícia que foi comer aquele bolo quentinho.
O que também não dá para descrever é a sensação de fraqueza e vazio que sinto após passar quase duas horas e meia sem me levantar da privada. Além de todos os fluidos, a dignidade e a macheza abandonaram por completo o meu corpo. Acho que tive um pequeno desmaio e fui acordado por mamãe que bateu a porta do banheiro e disse:
- Formou na federal né filho? Sabe de tudo esse meu menino.
sábado, 12 de dezembro de 2020
Curitiba sabe
Hoje lembrei de Curitiba. A última vez que estive na cidade fui com o amigo Luiz Carlos. Moleque bom, cria da Vila do João. Ainda existia horário de verão então sempre dava tempo de turistar ao fim do expediente.
domingo, 29 de novembro de 2020
Imprevisto
É curioso, mas do mundial de 86 eu não guardo memórias do pênalti perdido pelo Galo. Talvez minha cabeça rubro-negra sequer cogite a hipótese de registar que nosso maior jogador um dia possa ter falhado tão miseravelmente. Desta copa guardo duas lembranças. A primeira é da fúria que senti quando perdi num jogo de bafo a figurinha do Careca. A segunda vem da perplexidade dos adultos na sala ante o jogo Argentina e Inglaterra e da voz resoluta de meu tio Pedro:
- Não tem como ganhar desse cara.
Esse cara era Diego Armando Maradona. Neste momento voltei minha atenção para o jogo e nunca mais tirei. Pois menos de quatro minutos depois vi Maradona driblar um time inteiro e marcar o segundo gol. Desse dia em diante o colecionador de figurinhas tornou-se torcedor de futebol. O jogo seguinte, Argentina e Bélgica, transformou o torcedor de futebol em amante da técnica, do drible e da imprevisibilidade que só este jogo é capaz de produzir. O futebol nasceu em minha vida pelos pés de Maradona.
Quatro anos depois eu era o menino mais empolgado no mundo assistindo o Brasil e Argentina da copa da Itália. O gol do Caniggia decretou um silêncio sepulcral na sala quebrado somente pela minha declaração:
- Calma gente. Não tem como ganhar desse cara.
Ao que papai respondeu.
- Era o que me faltava, um filho argentino.
Papai não sabia que naquele momento eu não estava sendo argentino, eu estava sendo Maradona e fazendo aquilo que de mim não se esperava.
O que Dieguito fazia com pé esquerdo não se esperava que ninguém pudesse fazer, nem com o direito, nem com ambos. Quando se esperava respeito aos ingleses, ele lhes afanava a carteira e vencia. Quando nada esperava-se dos italianos do Sul, ele os fazia triunfar sob os narizes de Milão. Quando em 94 diante da vergonha, esperava-se silêncio e resignação, ele denunciava a ganância da FIFA, que impunha partidas ao sol do meio dia para garantir o horário nobre da TV europeia. Quando dele esperava-se um comportamento de ídolo, Maradona se entregava ao mais mundano dos vícios.
Vá com Deus Dom Diego. E obrigado por me ensinar, que nesse mundo frígido da austeridade e da tecnocracia, o sonho e a fantasia são as armas mais eficazes.
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.
sábado, 31 de outubro de 2020
Dia de Feira
segunda-feira, 12 de outubro de 2020
Celestino
sexta-feira, 11 de setembro de 2020
Raiz
Raiz, é assim que os locais chamam o bairro de Raiz da Serra, em Magé. Um pequeno povoado cravado no vale que marca o início da subida da Serra da Estrela, cujo cume abriga a cidade de Petrópolis. A montanha, coberta pela mata atlântica, ladeia o bairro num formato de concha, os dias de ventania são frequentes. Algumas décadas se passaram desde a última vez que estive lá, mas eu fecho os olhos e ainda consigo ouvir o som do vento marinho contornando os paredões. Um mantra entoado pelas árvores e suas bromélias. A reza só é interrompida pelo trem, a ferrovia corta o bairro ao meio. Na minha infância a gente podia marcar a hora pelo apito – Quando descer o das dez eu passo na sua casa!
Meus avós moravam numa das vilas de funcionários da Fábrica de Pólvora da Estrela. As casas eram separadas por um gramado dos muros baixinhos perfeitamente caiados pelos recrutas. Foram pensadas iguaizinhas, mas com o tempo, os moradores iam personalizando suas varandas. Uma tinha samambaias, outra begônias. Numa, cadeiras de vime, na outra um redário.
A dos meus avós, por ficar na esquina, era uma das mais diferentes. Ao adentrar o terreno avistava-se a casa à esquerda, no alto de um pequeno aclive. Como todas as outras era branca de janelas azuis. Aos fundos uma horta – tinha até aipim – o limite do quintal era marcado por uma cerca viva, geometricamente podada pelo meu avô, jardineiro de profissão. Na frente um corredor de margaridas brancas marcava o limite da calçada. A gente atravessava a rua, passava pela escolinha e chegava ao rio. Era uma festa.
É nesse lugar que está plantada minha raiz. Falar de raiz, para um sujeito de pele marrom feito eu, é muito complexo. Já sofri racismo tantas vezes quanto ouvi – Ah, você não é preto. Com o tempo me acostumei, a depender do fórum eu sou visto como branco ou como preto. Uma vez ouvi a professora Lilia Schwarcz dizer que o órgão que vê é o olho, mas o que enxerga é a cultura. Contudo, por muito tempo olhei para o cara que aparece no espelho e perguntei: quem és tu cara-pálida? Pois essa conversa fiada é para contar a vocês como encontrei a resposta.
A minha lembrança mais remota, a primeira que tenho da infância, vem desse quintal das margaridas. Eu e meus primos batucando com gravetos nas latas de leite e cantando para a fúria de minha tia Maria Celeste:
- Dona Celestina, me dá água pra beber. Se você não me der água. Vou falar mal de você...
Por algum motivo ela detestava essa música, saía de tamanco na mão atrás da gente – Já falei pra não cantar isso peste! – E minha vó caía na gargalhada – Corre muriquinho! Corre, que hoje ela pega vocês!
Eu não devia ter quatro anos de idade, mas esta memória me vem com absoluta clareza. Pois é isto: a minha primeira memória é um jongo do Guineto. Sacou? Se eu não for preto parceiro, ninguém mais é.
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.
quarta-feira, 5 de agosto de 2020
Manga Rosa
Cês tão ligados naquelas manga rosa graúda? Aquelas quase do tamanho de um melão, com a casca bonita em tons de verde e rosa que só se acha em supermercado da Zona Sul? Pois é, alguém da logística do CEASA deu um mole e veio parar uma dessas aqui no subúrbio. Comprei né. Era tão pesada que quase tive que parcelar no cartão o hortifrut da semana.
Chegando em casa é aquela desgraça né, passa álcool em tudo lava o escambau, ninguém aguenta mais esse ano de 2020. Tô vendo a hora de ter que comprar um autoclave. Acho que cabe ao lado da máquina de lavar. Mas então. Arrumei aquela fruteira bonita, mal coloquei na sala, meu muléqeui:
- Papai qué manga.
- Claro meu filho.
Olhei para ele, olhei pra manga, cortei um terço dei pra ele. O muléqui comeu daquele jeito voraz que deixa qualquer pai orgulhoso.
- Papai qué mais manga.
- É o que?
- Mais manga papai.
E lá se vai o outro terço.
- Papai mais manga.
- Tá me zuando?
- Mais manga papai. Mais
O muléqui COMEU A MANGA TODA! – E daí? Me perguntaria você meu caro leitor. E daí que eu medi com uma fita métrica. Não cabe! Não cabe uma manga dessas de playboy da Zona Sul na barriga do meu garoto! NÃO CABE. Mas coube.
- Papai qué banana.
- Ah ou, para de olho grande.
- Banana papai, qué, qué, QUÉ Banana.
- Não
- Buaaaaaaa! Banana!
A mãe:
- Comeu aquela manga toda?
Eu:
- Sim
A mãe:
- Tá de pirraça. Dá um biscoito que ele esquece.
Lá vai um biscoito, dois, três... QUATRO.
- Papai qué banana!
- Vai passar mal.
- Banana papai, banana.
- Olha só, eu vou te dar, se não comer vai ficar ruim pra tu.
Abriu um sorriso. Comeu! CO-ME-UÔ!!! Sem o menor esforço.
Fiquei boladão né. Coloquei em observação. Passaram-se três horas. Já correu, já jogou bola, já brincou com o baby shark, já destruiu mais um carrinho, já leu um livro. E tá aqui agora pedindo janta.
- Senhores é oficial,
temos um buraco negro.
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.
Meu primo Célio
E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...
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Pela primeira vez neste século o Botafogo vive um momento de fato glorioso. Lidera o campeonato brasileiro desde as primeiras ro...
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