Hoje fui
despertado as quatro da madruga pela Alvorada de São Jorge. Se você não sabe o
que é isso provavelmente nunca morou no subúrbio do Rio de Janeiro. Trata-se
de uma queima de fogos com proporções comparáveis à do réveillon. Começa as
quatro, se repete as cinco, as seis, as sete, até que você desiste de dormir.
Mas não pensem que fiquei aborrecido, se tem um santo que admiro e respeito no
catolicismo é São Jorge.
Segundo a
igreja Jorge viveu entre os séculos III e IV na região da Capadócia. Era um
soldado romano que servia ao imperador Diocleciano. Fazia parte de uma divisão
que perseguia e assassinava os cristãos. Ao conhecer o evangelho Jorge se
converteu ao cristianismo. Arrependido, transformou-se em um defensor de
cristãos lutando bravamente contra a tirania romana. Acabou sendo capturado e
executado, tornou-se mártir e em decorrência santo, São Jorge. Considerado o
patriarca dos cavaleiros templários, é um dos poucos santos venerados tanto
pelo catolicismo romano, quando pela igreja ortodoxa, quanto pela anglicana.
No candomblé
ele é Ogum, um dos orixás mais antigos e poderosos. Valoroso guerreiro que
conquistou várias cidades e protegeu o seu povo. Mas o sincretismo em torno de
São Jorge remete a tempos mais remotos que o ocorrido em nosso jovem país. Se
você for um observador atento vai perceber que o arquétipo do dragão não
combina em nada com a pictografia cristã. Procurando por explicações em sites
católicos a explicação mais sensata que encontrei foi a seguinte: “Verdade ou
não, o mais importante é o que esta história comunica”. Ou seja, a igreja não
confirma, mas também não nega a existência do dragão.
A história do
cavaleiro que derrota dragões remete ao mito pagão Siegfried. A veneração aos
atos heroicos de Siegfried, era tão fortemente arraigada na cultura europeia que
a Igreja, em séculos de poder absoluto, não foi capaz de apagar. O mito popular,
que venceu o regime vigente, acabou sendo incorporado à imagem de São Jorge, o
Santo guerreiro. Segundo a mitologia nórdica Siegfried foi abandonado para morrer
numa floresta por ser fruto de uma relação incestuosa entre dois filhos de Odim,
Siegmund e Sieglinde. Junto com o bebê foram deixados os pedaços da espada seu
pai, Siegmund. A arma mágica fora destruída pela ira de Odim, juntamente com
seu portador e a irmã/amante. Siegfried foi resgatado por um anão ferreiro que
o criou como filho.
Nesta mesma
era fora travada uma batalha pela posse de um anel, O Anel do Poder Absoluto. Forjado
com o ouro roubado das ninfas do Reno, o anel dava poder ilimitado ao seu
portador e despertava a ira e a cobiça dos demais. Depois de uma confusão
danada que não vou detalhar aqui o anel ficou em posse de dois gigantes gêmeos Fasolt
e Fafnir. Porém, a maldição do anel fez com que os irmãos brigassem até a morte
pela sua posse, Fafnir foi o vencedor. Ao ver o irmão morto caiu em desespero e
se isolou em uma caverna com seu precioso anel. Com o tempo a sua pele enrugou,
encheu-se de escamas, seus olhos flamejaram de ira e ele se transformou em...
Smeagol? Não! Transformou-se no maior, mais poderoso e mais cruel dragão que já
existiu.
Esse dragão
virou um tremendo tirado e exigia que os homens oferecessem seus jovens em
sacrifício para saciar sua ira. Siegfried cresceu e revoltou-se com a tirania
do dragão. Dos pedaços da arma de seu pai forjou uma nova e poderosa espada.
Matou o dragão e se apoderou do anel. Como era puro de coração e não conhecia o
medo não sucumbiu à maldição do anel tornando-se o poderoso Senhor do Anel,
defensor dos injustiçados. Sim meu querido, Aragorn foi inspirado no mito Siegfried.
Além de muitos outros personagens das histórias de cavaleiros errantes que
salvam donzelas, protegem os inocentes e derrotam dragões. (Se você não é nerd
e não faz ideia de quem seja Aragorn, busque “The Lord of The Ring” no Google).
Em A
República, Platão também conta a história de um anel, que dentre outros poderes
dava invisibilidade ao seu portador, o Anel de Giges. Esta alegoria de Platão
nos alerta sobre o perigo do poder absoluto. De fato o anel é um dos símbolos do poder dos
soberanos. O próprio papa, até os dias atuais, possui um anel como signo de sua
autoridade. Siegfried foi senhor do poderoso anel até o dia que ele se
apaixonou por uma donzela que por obra de um feitiço jazia adormecida no alto
de uma colina. Ao acorda-la com um beijo, conheceu o amor, com o amor conheceu
o medo, e seu medo despertou a maldição do anel. A bela adormecida foi a causa
da queda de Siegfried, mas isso é outra história.
Mito, santo,
orixá, cavaleiro errante, “verdade ou não, o mais importante é o que esta
história comunica”. Um homem de coração puro que luta pelos oprimidos com
bravura, esta é a imagem do Santo Guerreio. A sua força atravessou milênios e
por isso merece o nosso respeito. Siegfried
é neto de Odim, sobrinho de Thor, é Aragorn, Senhor do Anel, Cavaleiro
templário, Shrek, Príncipe Encantado, Guerreio Jedi, tudo junto... Cadê aquela
minha camisa vermelha?