quinta-feira, 23 de abril de 2015

O Santo Guerreiro



Hoje fui despertado as quatro da madruga pela Alvorada de São Jorge. Se você não sabe o que é isso provavelmente nunca morou no subúrbio do Rio de Janeiro. Trata-se de uma queima de fogos com proporções comparáveis à do réveillon. Começa as quatro, se repete as cinco, as seis, as sete, até que você desiste de dormir. Mas não pensem que fiquei aborrecido, se tem um santo que admiro e respeito no catolicismo é São Jorge.

Segundo a igreja Jorge viveu entre os séculos III e IV na região da Capadócia. Era um soldado romano que servia ao imperador Diocleciano. Fazia parte de uma divisão que perseguia e assassinava os cristãos. Ao conhecer o evangelho Jorge se converteu ao cristianismo. Arrependido, transformou-se em um defensor de cristãos lutando bravamente contra a tirania romana. Acabou sendo capturado e executado, tornou-se mártir e em decorrência santo, São Jorge. Considerado o patriarca dos cavaleiros templários, é um dos poucos santos venerados tanto pelo catolicismo romano, quando pela igreja ortodoxa, quanto pela anglicana.

No candomblé ele é Ogum, um dos orixás mais antigos e poderosos. Valoroso guerreiro que conquistou várias cidades e protegeu o seu povo. Mas o sincretismo em torno de São Jorge remete a tempos mais remotos que o ocorrido em nosso jovem país. Se você for um observador atento vai perceber que o arquétipo do dragão não combina em nada com a pictografia cristã. Procurando por explicações em sites católicos a explicação mais sensata que encontrei foi a seguinte: “Verdade ou não, o mais importante é o que esta história comunica”. Ou seja, a igreja não confirma, mas também não nega a existência do dragão.

A história do cavaleiro que derrota dragões remete ao mito pagão Siegfried. A veneração aos atos heroicos de Siegfried, era tão fortemente arraigada na cultura europeia que a Igreja, em séculos de poder absoluto, não foi capaz de apagar. O mito popular, que venceu o regime vigente, acabou sendo incorporado à imagem de São Jorge, o Santo guerreiro. Segundo a mitologia nórdica Siegfried foi abandonado para morrer numa floresta por ser fruto de uma relação incestuosa entre dois filhos de Odim, Siegmund e Sieglinde. Junto com o bebê foram deixados os pedaços da espada seu pai, Siegmund. A arma mágica fora destruída pela ira de Odim, juntamente com seu portador e a irmã/amante. Siegfried foi resgatado por um anão ferreiro que o criou como filho.

Nesta mesma era fora travada uma batalha pela posse de um anel, O Anel do Poder Absoluto. Forjado com o ouro roubado das ninfas do Reno, o anel dava poder ilimitado ao seu portador e despertava a ira e a cobiça dos demais. Depois de uma confusão danada que não vou detalhar aqui o anel ficou em posse de dois gigantes gêmeos Fasolt e Fafnir. Porém, a maldição do anel fez com que os irmãos brigassem até a morte pela sua posse, Fafnir foi o vencedor. Ao ver o irmão morto caiu em desespero e se isolou em uma caverna com seu precioso anel. Com o tempo a sua pele enrugou, encheu-se de escamas, seus olhos flamejaram de ira e ele se transformou em... Smeagol? Não! Transformou-se no maior, mais poderoso e mais cruel dragão que já existiu.

Esse dragão virou um tremendo tirado e exigia que os homens oferecessem seus jovens em sacrifício para saciar sua ira. Siegfried cresceu e revoltou-se com a tirania do dragão. Dos pedaços da arma de seu pai forjou uma nova e poderosa espada. Matou o dragão e se apoderou do anel. Como era puro de coração e não conhecia o medo não sucumbiu à maldição do anel tornando-se o poderoso Senhor do Anel, defensor dos injustiçados. Sim meu querido, Aragorn foi inspirado no mito Siegfried. Além de muitos outros personagens das histórias de cavaleiros errantes que salvam donzelas, protegem os inocentes e derrotam dragões. (Se você não é nerd e não faz ideia de quem seja Aragorn, busque “The Lord of The Ring” no Google).

Em A República, Platão também conta a história de um anel, que dentre outros poderes dava invisibilidade ao seu portador, o Anel de Giges. Esta alegoria de Platão nos alerta sobre o perigo do poder absoluto.  De fato o anel é um dos símbolos do poder dos soberanos. O próprio papa, até os dias atuais, possui um anel como signo de sua autoridade. Siegfried foi senhor do poderoso anel até o dia que ele se apaixonou por uma donzela que por obra de um feitiço jazia adormecida no alto de uma colina. Ao acorda-la com um beijo, conheceu o amor, com o amor conheceu o medo, e seu medo despertou a maldição do anel. A bela adormecida foi a causa da queda de Siegfried, mas isso é outra história.

Mito, santo, orixá, cavaleiro errante, “verdade ou não, o mais importante é o que esta história comunica”. Um homem de coração puro que luta pelos oprimidos com bravura, esta é a imagem do Santo Guerreio. A sua força atravessou milênios e por isso merece o nosso respeito.  Siegfried é neto de Odim, sobrinho de Thor, é Aragorn, Senhor do Anel, Cavaleiro templário, Shrek, Príncipe Encantado, Guerreio Jedi, tudo junto... Cadê aquela minha camisa vermelha?


domingo, 19 de abril de 2015

Pássaro Negro – Terceira Parte (Final)



- Calma que a gente vai dar um jeito. 

Pedrinho tentava tranquilizar Alexandre. Prosseguiram no caminho, passaram pela entrada do Parque de Exposições, deram a volta no quarteirão. Encontraram oito estacionamentos, todos cobravam trinta reais. Acabaram sendo parados pela blitz da lei seca.  Depois de cumprirem os rituais da dura, com o qual há muito estavam acostumados, foram pedir ajuda ao guarda. Pedrinho foi o interlocutor:

- Com licença senhor, a gente está procurando estacionamento aqui, mas tá tudo caro. Não tem um lugar pra gente deixar de graça não?

- Filho, de graça aqui só aquele.  Apontou para o reboque. – Faz o seguinte, eu fui com a cara de vocês. Desce essa rua, entra no segundo estacionamento, diga que o cabo Cardozo, mandou cobrar vinte reais.

Entraram no Pássaro Negro, desceram pela rua. Leandro levantou a questão:

- Será que o polícia é amigo do cara do estacionamento.

- Você é um anjinho mesmo Leandro. – Respondeu Pedrinho - Ele é o dono. Ainda bem que eu desenrolei com ele.

- Grandes merda Pedrinho. Retrucou Alexandre. - Vai sobrar vinte e cinco reais e dez centavos.

- E daí?

- E daí que só vai dá pra entrar um seu mongol!

- E como vai ser? No Palitinho?

- Palitinho na sua bunda Pedrinho, tá maluco.

- Deixa minha bunda em paz. Como vamos resolver isso?

- Por mim a gente deixa esse carro na rua.

- Também acho.

- É, o carro não é da mãe de vocês - protestou Leandro.

- Larga de ser cagão Leandro. Eu deixo o carro lá na entrada de cidade e a gente vem a pé. A guarda não vai lá rebocar.

- Nem pensar Pedrinho, se deixarem o carro na rua eu vou ficar com ele.

- Você nem tem carteira!

- E daí? Eu fico dentro dele.

- Cagão.

O problema parecia irremediável, discutiam, levantavam hipóteses, procuravam as ruas mais afastadas, nada. Pedrinho fez a proposta:

 - Xandi, você entra e convence a sua mulé, e as amigas, a irem com a gente pra outro canto.

- Pedrinho, essa maconha que você anda fumando está te fazendo mal. Você acha que as meninas vão largar o show do Juan Santana pra ir com a gente pra outro canto? Deu ruim meu irmão.

- Pô, entra tu então Xandi, pra não dar bolo na sua mulé e a gente mete o pé.

- E eu volto pra casa como? De carona com o pai dela é que não vai ser. Além do mais é o seguinte, ou é todo mundo no sol, ou é todo mundo na chuva. Tamo junto nessa porra!

- Então partiu Bar do Bira?

- Partiu, é o que tem pra hoje.

Fez-se um silêncio, Leandro quebrou o gelo.

- É Xandi, o Pedrinho estava errado, hoje nem num peitinho você vai pegar...

Tomaram a estrada de volta para o Rio. Estavam inconformados. Passaram pela porta, viram as luzes, ouviram o som, viram a galera entrando e deram meia volta. Tentavam apontar, vejam só vocês, um culpado pelo seu infortúnio. Alexandre dizia que a culpa era do elevado preço da gasolina, inflacionado. Não pela cotação internacional do petróleo, mas pelos quase cinquenta por cento de impostos. Pedrinho se indignava com a privatização das vias públicas e seus pedágios abusivos, implacáveis tanto na ida quanto na volta. Leandro não entendia como os agentes públicos, responsáveis pela manutenção da ordem, podiam se associar explicitamente ao oportunismo do cartel dos estacionamentos. Entraram num consenso de que seria muito melhor se pudessem contar o transporte público. Sistema que não funcionava nem para a ida e volta do trabalho, quiçá para o lazer. Neste momento fez-se um silêncio no carro e os pensamentos de Alexandre puderam alcançar Rafaela.

Rafaela com seu sorriso largo e suas ancas proeminentes, toda faceira na vaquejada. Alexandre havia enviado uma mensagem dizendo que tinham ficado presos na Lei seca. Rezava para ela acreditar e se compadecer deles. Cogitava que, caso ela ficasse com raiva, ia se vingar ficando com outro cara.  Ou pior, ficasse com outro cara só por falta de companhia, para preencher uma lacuna deveria ser dele. Aquela ideia consumia suas entranhas, será que ela seria capaz? Ele estava tão perto... Ah Rafaela... será que ela ia acreditar? Nesse momento de desespero e melancolia somente a palavra de um amigo poderia resgatá-lo. Foi o que fez Leandro, ao perceber o companheiro olhando inconsolado para o teto do automóvel:

- Xandi, você sabe que a essa altura do campeonato você já deve ser corno?

- Que mané corno? Eu não tenho mulé não! Tamo só ficando.

- Tenho que concordar com ele Xandi, depois de um bolo desses, ela já deve ter ficado com a metade daqueles cowboys...

- Problema é dela Pedrinho. Como é que posso ser corno se nem mulé eu tenho. Já disse que sou muleque piranha.

- Corno!

Daí seguiu uma discussão sobre os pré-requisitos para um sujeito ser considerado oficialmente corno. Pedrinho e Leandro concordavam que ao menos corno em potencial Alexandre já era. Chegaram de volta ao bairro.  Estacionaram em frente ao bar do Bira, que ficava a quatro quadras da casa de Leandro. Haviam feito um percurso de cento e nove quilômetros e dois pedágios para chegar. Decidiram beber a grana que sobrara, cada centavo, o que não seria muito, mas o bar sempre acolhe os desafortunados. Encontraram a turma de sempre. Amigos e amigas da escola, da vizinhança, da noite.  Dentre eles estava Michele, que tinha sido arrastada para o Bar do Bira pelas amigas. Elas tentavam tira-la de uma depressão que perdurava semanas. A coitada teve seu coração partido por um canalhão profissional. Vivia o ápice do drama adolescente, onde tudo é superlativo e cada amor perdido é o último da humanidade.

 Não demorou muito para que as melancolias de Alexandre e Michele começassem a vibrar na mesma frequência. Foram atraídos pelo olhar apagado de um, o sorriso amarelo de outro. Encontraram-se na tristeza, na frustação, no embargo, no vazio do peito. Conversaram como se estivessem sozinhos na mesa. Compartilharam amarguras. Brindaram à derrota. Esqueceram-se do tempo, da ocasião, dos outros ao redor. Quando ela se afastou da mesa para ir ao banheiro com umas amigas os meninos se aproximaram:

- E aí Xandi. Já se apaixonou de novo?

- É, eu tenho essa mania – abriu um sorriso insosso - ela está numa pior Leandro, isso não tem nada a ver.

- Tô vendo. Ou será você quem está numa pior? Sacode essa poeira cara, você é brasileiro! Dá um lance.

- Será?

- Chifre trocado não dói - provocou Pedrinho.

- Lá vem vocês com esse papo de novo...

- Se você não der um lance eu vou dar, ela tá gostosinha cara...

- Porra Pedrinho, você quer comer todo mundo?

- Olha lá - apontou Leandro - elas estão voltando,  vai dar um lance ou não vai?

Alexandre olhou dentro dos olhos melancólicos de Michele. Ela, embora estivesse no outro extremo do bar, sentiu a conexão, acusou o golpe. Ele deu um gole na cerveja, respirou fundo, levantou da cadeira, estufou o peito:

- Diz aí Pedrinho, será que ela deixa pegar no peitinho?

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Pássaro Negro – Segunda Parte




O brado do Pássaro Negro chamou a atenção de todos na praça. Pintura impecável, rodas de liga leve, aerofólios traseiros, incontáveis cavalos de potência, um primor de automóvel. Pedrinho abaixou o vidro, colocou o braço para fora, estufou o peito, pisou fundo. Olhou para o mercador de combustível:

- Será que com meio tanque a gente chega em Xerém?

- Melhor abastecer. Respondeu Leandro.

- Vocês estão de sacanagem né?

- Xerém é longe pra caramba Xandi, e eu falei pra minha mãe que a gente ia no Bira, se a gente voltar com o tanque vazio ela vai desconfiar.

Alexandre respirou fundo, engoliu as palavras enquanto o Pássaro Negro adentrava ao posto de gasolina.

- Falaí parceiro. Disse Pedrinho ao frentista – Completa o tanque.

Minutos depois.

- Quarenta reais e quinze centavos senhor.

- Heim?

- Quarenta reais e quinze centavos.

- Puta que pariu! Bem que meu pai vive reclamando do preço da gasolina. Ouviu aí Xandi? Quarenta reais e quinze centavos.
- Você é um mongoloide dos infernos Pedrinho, tinha que mandar completar a porra do tanque? Não dava pra pedir pra colocar vinte reais de gasolina?

- Agora que você me avisa?

- Agora que vi a merda que você fez, eu estava no zapzap com a Rafaela.

- Ah, larga de ser chorão, passa logo a grana.

- Pede o troco.

Alexandre tomou ar, refez as contas, restavam setenta e seis reais e noventa centavos. Pegaram a BR rumo à longínqua Xerém. Se o Pássaro Negro era uma potência nas ruas, na estrada era um foguete. Os quilômetros eram engolidos sem a menor cerimônia, as curvas ignoradas, uma fera indomável. O som no último volume, música de Seattle baby! Alexandre foi o primeiro a avistar as luzes suspeitas na estrada.

- Ai, ai, ai... Que merda é essa aí na frente.

- Pedágio. Respondeu Pedrinho.

- Pedágio? Se fosse possível Leandro teria caído para traz.

- Pedágio. Ratificou Pedrinho.

- Quanto é?

- Não faço ideia Xandi.

- Vê a placa demente!

- Espera moleque ainda não dá pra ler... São...  Quinze e noventa.

- O QUÊ?

- QUIN-ZE E NO-VEN-TA!!!

- Ai caralho... E agora?

- Tem que pagar Xandi, vamos fazer o que? Indagou Pedrinho. - Já viemos até aqui.

- Vão sobrar sessenta e um reais pra gente gastar na vaquej... 

- Esqueceu da volta moleque? Foi interrompido por Pedrinho.

- O que que tem?

-Tem que pagar o pedágio do volta animal. Vai ficar morando em Xerém.

- Deu ruim! - Refez as contas – Vai sobrar quarenta e cinco reais e dez centavos. Você que viu na Internet Leandro, quanto é o ingresso?

- Trinta...

- Heim?

- Trinta, mas estudante paga meia.

- Puta merda vai dar certim.

- Certim nada, vai sobras dez centavos pra cerveja.

Caíram na gargalhada. Pagaram o pedágio, pegaram o acesso a Xerém, cruzaram o centrinho, se perderam, pediram informação, enfim se aproximaram do Parque de Exposições. Abaixaram novamente os vidros. Uma multidão de jeans e chapéu de cowboy se amontoava no caminho para o show. Aumentaram o som e chamaram a atenção rapidamente. Não pelo Pássaro Negro, cuja exuberância se apequenou em meio a tantas pick-ups. Contudo, naquela multidão country, nada era mais exótico que três caras cabeludos, batendo cabeça e gritando – BOOOORN TO BE WILD!!!  Na medida em que os meninos se aproximavam do parque o tráfego de veículos e de pessoas se adensava. Uma tremenda confusão. Um sujeito se aproximou da janela:

- Estacionamento aqui. – Apontou para um terreno baldio – Lá pra frente está tudo cheio. Faço trinta pra vocês.

- Tô fora amigo.

- Se deixar na rua a Guarda vai rebocar.

Nesse momento Alexandre começou a suar frio.

- Agora fudeu...

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Pássaro Negro - Parte 1



Alexandre mal podia conter a ansiedade, andava sem rumo pela casa, não desgrudava do celular: - Esse tempo que não passa. Era uma sensação de inquietude ímpar, uma revoada de mariposas bem no meio do seu estômago. Tinha planejado cada detalhe daquela noite, cada gesto, cada passo, tudo muito bem premeditado. O coração mal cabia no peito, a boca seca, os joelhos frouxos. Os pensamentos o levaram tão longe que quando se deu conta já estava atrasado. 

Apressou-se no banho, caprichou no gel para moldar a cabeleira encaracolada, fitou seus  olhos lânguidos no espelho, as sobrancelhas grossas lembravam as do avô – São sinais de personalidade forte meu filho. Resolveu retirar o buço que há meses não engrossava a despeito das simpatias que haviam lhe ensinado. A pele queimada e a angulação no seio do nariz lhe davam ares de mouro. Vestiu-se de preto com de costume, mirou-se novamente no espelho.  Tinha um jeitão rústico inconsonante com o estilo grunje, todavia o ar despojado acentuava sua autenticidade, o avô tinha razão, gostou do que viu. 

- Vai chegar que horas menino?

- Cedo mãe.

- Sei, cedo para o café da manhã.

Todo sábado ele fazia a mesma piada infame e ela passava a noite em claro a espera do filho. Ser mãe de adolescente no Rio de Janeiro está longe de ser uma tarefa fácil. Beijou a mãe, fez festa com o cachorro, desceu as escadas e foi bater na casa do amigo Leandro. Eram amigos e vizinhos desde sempre talvez. Leandro se tornou um rapazola longilíneo, pele alva castigada pelo clima, cabelos dourados, olhos vívidos, assustados, aura de surfista, desatento. Atendeu a porta:

- Coé Xand, falou com ela?

- Coé Leandro, tá tudo certo, ela vai levar as amigas, daí vocês desenrolam. E o carro?

- Minha mãe emprestou.

- Emprestou o que? Aquele passat velh....

- O PÁSSARO NEGRO cara!

- Ahhh muleque agora sim! É nós!

- É, mas o Pedrinho vai ter que ir dirigindo.

Pedrinho era o mais velho da tríade, as mães confiavam nele embora não houvesse motivos para isso. Um perfeito finório, portador de um carisma invejável era capaz de vender qualquer coisa, principalmente a si mesmo. Sorriso fácil, ombros largos, boa pinta, olhava nos olhos: - Fica tranquila tia, eu tomo conta deles. Pronto, quem não se derretia? 

- Pedro toma cuidado com esse carro. – Advertiu a mãe do Leandro – é só pisar que ele voa longe. 

- tranquilo tia, já tenho dois anos de carteira. Cadê os moleques?

- Estão vindo ali.

Alexandre e Leandro adentravam a garagem do prédio. Ouviram menos de dez por cento das recomendações da pobre senhora. Entraram no carro:

- E aí Pedrinho?

- Coé Xandi? Cadê as amigas da sua mulé?

- Minha mulé é o carai. Tamo só ficando!

- Não mete esse caô, Leandro já entregou que você tá todo apaixonadinho.

- Esse viadinho está com ciúmes, tenho mulé nesse mundo não cara, sou muleque piranha!

É obvio que ele mentia, há muito não tirava Rafaela da cabeça. Conheceram-se no cursinho, ela se aproximara dele por interesses matemáticos, uma amiga o havia indicado:

 – Pergunta pra ele, maior nerd.

- Aquele ali com cara de boy? Não parece.

Ela foi, gostou da explicação, gostou mais ainda do jeitão de professor. Teve que se esforçar para fazê-lo entender que inventava todas aquelas dúvidas. Quando já estava desistindo ele lhe roubou um beijo. Ela roubou de volta. E assim seguiram com beijos apressados as escondidas do pai da moça, que marcava ponto na hora da saída. Rafaela era do Recife, os olhos de Holanda e o sorriso fácil não lhe negavam as origens. A metade da vida passada no Rio lhe roubara o sotaque, mas não os hábitos. O olhar dissimulado e as ancas proeminentes a faziam parecer mais velha. Convenceu o Alexandre a ir a uma vaquejada em Xerém, ele odiava música sertaneja, mas havia dito exatamente o oposto para a moça. 

- Como é que você está de grana Leandro?

- Minha mãe me deu cinquenta, e tu Xandi?

- Quarenta.

- Quarenta? Você tinha me dito que tinha sessenta!

- Comprei camisinha e essa Halls, servido?

- Caraca muleque!  Retrucou Pedrinho. - Vinte reais de camisinha! Vai pegar um time de vôlei inteiro?

 - Pô, melhor errar pelo excesso...

Na realidade ele tinha comprado um gibi do X-Man , mas preferiu omitir a informação. Pedrinho continuou:

- Excesso? Moleque se você conseguir pegar num peitinho hoje já tá de bom tamanho. Não tinha necessidade nenhuma de gastar vinte reais com camisinha. Tá pensando que você é quem? Hercules?

- E tu Pedrinho? Tem quanto?

- Calmaê...

Revirou a carteira, contou umas moedas.

- Vinte sete reais e cinco centavos.

- Vinte sete reais e cinco centavos!? Respondem em coro, Leandro e Alexandre.

- Pô galera, morando sozinho agora, tive que pagar a conta de luz...

Alexandre fez as contas, franziu a testa. - Cento e dezessete reais e cinco centavos, vai ter que dar...

Meu primo Célio

E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...