Denise acordou sobressaltada. Olhou o relógio, estava atrasada. Pulou da
cama, sentiu uma dor aguda na base do abdômen. Teve vontade de voltar
pra cama. Lembrou de sua mãe - olha o pé no chão frio menina - calçou os
chinelos.
Banhou-se em tempo recorde.
Vestiu-se, foi a cozinha, teve vontade de comer pão com manteiga e de
beber café. Tomou um shake sem graça.
Antes de sair olhou-se no
espelho, conferiu que horas eram. Só dava tempo de "passar um
batonzinho", escolheu um par de óculos escuros bem grandes. Pôs os
brincos, detestou, trocou o par, bem melhor. Abriu a porta ainda estava
escuro. Sentiu medo. Saiu.
Desceu a rua, chegou na avenida
Automóvel Clube. Se fosse mais cedo poderia ir até o ponto final pra
tentar viajar sentada, porém não havia tempo. Lá vem o ônibus, cheio.
Teve vontade de esperar o próximo. Pegou aquele mesmo, foi de pé.
Antes
de chegar na avenida Brasil o coletivo já estava apinhado. Alguém
gritou: - Lotou piloto! Mas ele seguia parando em todos os pontos. Num
certo momento Denise sentiu um cotovelo em sua costela, deu uma
chegadinha pro outro lado. Ficou bem debaixo do suvaco de um sujeito.
Suvaco ou cotovelo? Sentiu vontade de gritar. Calou- se e escolheu o
suvaco, pelo menos o coleguinha tinha tomado banho.
Cochilou sob o
suvaco amigo, acordou não tinha andado cem metros, tudo parado - é
hoje. Seguiu cochilando e acordando. Duas eternidades e meia depois
chegou na Central do Brasil, desceu às pressas. Sentiu fome, tomou o
metrô.
Chegou milagrosamente dois minutos antes do expediente.
Sentiu-se uma heroína. A dor apertou um pouquinho - não sei pra quê esse
ar condicionado tão forte! Saiu do elevador topou com a supervisora - a make tem que vir pronta de casa Denise, que cara pálida é essa?
Sentiu vontade de mandá-la pra puta que pariu. Disse bom dia e foi para o vestiário se maquiar.
A manhã passou num flash. Foi almoçar com
os amigos. Sentiu vontade de comer filé com fritas. Pediu quiche de ricota e
salada. De sobremesa um brigadeiro, não dois. Voltou para o trabalho, havia
um burburinho de que a empresa faria um novo corte de pessoal - dizem
que vai passar outra barca - sentiu vontade de chorar. Pensou que
poderia ser fofoca, engoliu o choro.
Foi do trabalho pra
faculdade. Assistiu uma aula e meia. A metade da segunda aula dormiu
mesmo. Na volta havia fila para o ônibus. - Gente esse povo não foi pra
casa ainda não? Sai da rua povo! Negou-se a voltar em pé. Sentiu
pressa de chegar em casa, mas ficou na fila até entrar no terceiro
ônibus.
Sentou na janela. Um sujeito com pinta de estagiário sentou ao seu lado. Ficou torcendo para o ônibus
encher - assaltante só pega ônibus vazio. O coletivo lotou. Denise
sentiu-se estranhamente protegida pela multidão. Teve vontade de
dormir. Mas o sono, abundante na aula, havia ido embora. Foi revisando a
matéria.
O motorista serpenteava ligeiro pelas ruas. Denise
sentiu-se enjoada, fechou o livro - não tem condições da pessoa estudar
assim gente! Ficou assistindo a cidade pela janela. Sentiu-se
entediada e melancólica. Abriu o Facebook. Sentiu-se menos entediada e
muito mais melancólica.
Várias avenidas depois a dor ainda
incomodava. O sujeito ao seu lado levantou-se e deixou cair uma folha
de papel. - Moço... Denise tentou chama-lo, mas ele sorriu e desceu
apressado. Ela desdobrou a folha e leu - tu é muito gata - escrito em
letra de forma com um coração desenhando no final. Denise sentiu vontade
de sorrir. Sorriu.
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