O senso comum
do brasileiro é reacionário, materialista e individualista. Há muito venho
falando que a despeito de nosso hedonismo praiano, somos talvez um dos povos
mais conservadores da atualidade.
Princípios
consolidados em democracias evoluídas, tais como direitos humanos, por aqui são
vistos como coisa de “defensores de bandidos”. Acreditamos que o estado através
de sua polícia, deve agir com brutalidade total contra os malfeitores. Afinal
de contas, gostamos de dividir a humanidade em dois grupos, os bons e os maus.
E é com bestialidade que os maus agem contra nós, que somos do lado do bem. É
consenso entre os brasileiros que a violência deve ser combatida com uma
violência ainda maior e que o estado deve possuir total autonomia para usar
deste expediente contra quem preencher o estereótipo do mal. Se necessário, sem
o devido processo jurídico.
Somos contra
o aborto legal. Somos contra o uso legal de drogas, exceto o álcool, o tabaco, a
ritalina e o açúcar. Mulheres que praticam o aborto e traficantes de drogas merecem
a cadeia, a morte, ou os dois. Assim pensam os brasileiros. No tocante a cadeia,
a sociedade brasileira acredita que quanto mais insalubre melhor. As pessoas
que vão para cadeia merecem sofrimento atroz. Merecem celas fétidas, imundas, superlotadas,
mofadas, quentes, asfixiantes. O ambiente no cárcere deve ser violento, o preso
deve sofrer violência física, sexual, moral, psicológica. Através desse
sofrimento os brasileiros acreditam que eles pagarão por seus erros até que se
arrependam, ou morram. É assim que deve ser.
A sociedade
brasileira é contra os sindicatos, os abandonou e permitiu que eles fossem
ocupados por aproveitadores, sanguessugas. A sociedade brasileira é contra os
movimentos sociais. Pois acreditamos que a propriedade privada é uma
instituição inconteste. Cremos que as corporações devem manter-se focadas em
seu lucro e prosperidade. Pensamos que as relações de trabalho e renda devem
respeitar a meritocracia e que o trabalhador deve ser remunerado de acordo com
a sua especialização e raridade no mercado. Logo, se uma determinada mão de
obra é barata é por que ela é abundante. É, portanto obrigação do indivíduo esforçar-se
até que se torne raro e digno de um salário maior. Se não ele conseguir, é
culpa de sua preguiça ou inépcia.
Lembramos
saudosos da organização escolar do passado, por que queremos que o futuro seja
um pouco mais do mesmo. Devemos educar o indivíduo para que ele seja bom
profissional, mas não necessariamente para que ele aprenda a ser gente. Isso
por que não vemos na educação um valor. Acreditamos sim, que a educação deva
ser geradora de valor. Assim, seguimos dividindo o mundo entre praças e
oficiais. Mantemos nossas crianças na escola para garantir a bolsa do governo.
Queremos que elas tirem boas notas para não perdermos o desconto na
mensalidade. Mais matemática, mais português e menos doutrinação para coisas
subversivas. Tais como, senso de comunidade, pensamento crítico, questão de
gênero. Ordem e progresso sem amor.
Então como
olhar no espelho e encarar tanta desumanidade? Como inflar o peito e nos
reconhecer como o iluminado sol do novo mundo? Como sustentar a tese de que Deus
é nosso compatriota? Como é possível, depois de tão longo e infecundo
casamento, ainda sermos capazes de nos despir, com o enleio de uma adolescente,
e amar rodriguianamente o nosso próprio algoz?
Criamos o
carnaval, as religiões e o perfume pelo mesmo motivo. Nós não suportamos a
nossa própria materialidade. Precisamos, pois de um inimigo em quem depositar todos
os nossos defeitos ou de um tapete para encobri-los.