terça-feira, 20 de outubro de 2015

Síndrome de Estocolmo

O senso comum do brasileiro é reacionário, materialista e individualista. Há muito venho falando que a despeito de nosso hedonismo praiano, somos talvez um dos povos mais conservadores da atualidade.

Princípios consolidados em democracias evoluídas, tais como direitos humanos, por aqui são vistos como coisa de “defensores de bandidos”. Acreditamos que o estado através de sua polícia, deve agir com brutalidade total contra os malfeitores. Afinal de contas, gostamos de dividir a humanidade em dois grupos, os bons e os maus. E é com bestialidade que os maus agem contra nós, que somos do lado do bem. É consenso entre os brasileiros que a violência deve ser combatida com uma violência ainda maior e que o estado deve possuir total autonomia para usar deste expediente contra quem preencher o estereótipo do mal. Se necessário, sem o devido processo jurídico.

Somos contra o aborto legal. Somos contra o uso legal de drogas, exceto o álcool, o tabaco, a ritalina e o açúcar. Mulheres que praticam o aborto e traficantes de drogas merecem a cadeia, a morte, ou os dois. Assim pensam os brasileiros. No tocante a cadeia, a sociedade brasileira acredita que quanto mais insalubre melhor. As pessoas que vão para cadeia merecem sofrimento atroz. Merecem celas fétidas, imundas, superlotadas, mofadas, quentes, asfixiantes. O ambiente no cárcere deve ser violento, o preso deve sofrer violência física, sexual, moral, psicológica. Através desse sofrimento os brasileiros acreditam que eles pagarão por seus erros até que se arrependam, ou morram. É assim que deve ser.

A sociedade brasileira é contra os sindicatos, os abandonou e permitiu que eles fossem ocupados por aproveitadores, sanguessugas. A sociedade brasileira é contra os movimentos sociais. Pois acreditamos que a propriedade privada é uma instituição inconteste. Cremos que as corporações devem manter-se focadas em seu lucro e prosperidade. Pensamos que as relações de trabalho e renda devem respeitar a meritocracia e que o trabalhador deve ser remunerado de acordo com a sua especialização e raridade no mercado. Logo, se uma determinada mão de obra é barata é por que ela é abundante. É, portanto obrigação do indivíduo esforçar-se até que se torne raro e digno de um salário maior. Se não ele conseguir, é culpa de sua preguiça ou inépcia.

Lembramos saudosos da organização escolar do passado, por que queremos que o futuro seja um pouco mais do mesmo. Devemos educar o indivíduo para que ele seja bom profissional, mas não necessariamente para que ele aprenda a ser gente. Isso por que não vemos na educação um valor. Acreditamos sim, que a educação deva ser geradora de valor. Assim, seguimos dividindo o mundo entre praças e oficiais. Mantemos nossas crianças na escola para garantir a bolsa do governo. Queremos que elas tirem boas notas para não perdermos o desconto na mensalidade. Mais matemática, mais português e menos doutrinação para coisas subversivas. Tais como, senso de comunidade, pensamento crítico, questão de gênero. Ordem e progresso sem amor.

Então como olhar no espelho e encarar tanta desumanidade? Como inflar o peito e nos reconhecer como o iluminado sol do novo mundo? Como sustentar a tese de que Deus é nosso compatriota? Como é possível, depois de tão longo e infecundo casamento, ainda sermos capazes de nos despir, com o enleio de uma adolescente, e amar rodriguianamente o nosso próprio algoz?


Criamos o carnaval, as religiões e o perfume pelo mesmo motivo. Nós não suportamos a nossa própria materialidade. Precisamos, pois de um inimigo em quem depositar todos os nossos defeitos ou de um tapete para encobri-los. 

Meu primo Célio

E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...