terça-feira, 22 de março de 2016
E quem um dia irá dizer?
No fim desse verão bateu uma saudade imensa de um casal de amigos. Família linda, já contabilizam três filhinhos. Lembro-me de quando eles se conheceram numa festa que dei para comemorar meu aniversário
Nesta época minha amiga Mônica e eu ministrávamos aulas num cursinho. O Eduardo era nosso aluno. Figuraça, chegou à festa de bike.
Lá pelas tantas o Eduardo me confidenciou que nutria um amor platônico pela "professora Mônica". Não resisti e fui direto contar a ela.
A Mônica riu, mas quis saber um pouco mais sobre o menino.
- Então é por isso que ele não para de me olhar?
- É pow. Tá tentando impressionar. Dá uma chance pro moleque.
- Ele até que é gatinho. Mas é aluno pow.
- E daí, Mônica? Responda-me uma coisa: A namorada do professor Fabiano é o que dele?
- Aluna.
- E a do professor Natanael?
- Eu sei Lapinha, mas professora e aluno...
- Vai vir com sexismo agora? Logo você Mônica?
- Não é isso...
- Cara, você é o último bastião da moralidade nesse cursinho. Já tá na hora da gente mudar isso.
- Bem que eu pegaria... Mas por que ele não vem falar comigo?
- Tá intimidado pow. Você é professora dele.
- Pegue mais uma caipirinha pra mim Lapinha.
- A sexta...
- Tô virada. Amanheci tomando um conhaque lá do outro lado da cidade. O dia foi foda. Sua festa tá bombando. Enfim, tá me dando vontade de fazer uma loucura...
Fui ao balcão do bar. No caminho de volta passei pelo Eduardo.
- Toma!
- Cara, eu não tô legal... Não aguento mais birita.
- Não é pra você moleque. É pra Mônica. Leva isso pra ela e vê se toma atitude de homem...
Os dois ficaram lá conversando por um tempo. Depois eu os vi entrando na Kombi do professor Bill, estacionada em frente ao bar.
- Bill véio! Você esqueceu de puxar o feio de mão?
- Por quê?
- Sua Kombi tá andando sozinha!
- Caraca Lapinha! O que é aquilo lá dentro? Eduardo e Mônica tão lutando jiu jitsu?
- Ainda não...
Eduardo e Mônica se divertiram um bocado naquela noite. Já eram quase duas da manhã quando os amigos do Eduardo tiveram que "apartar" os dois apaixonados. Um foi arrastando a bicicleta, o outro o Eduardo.
A Mônica voltou trôpega e radiante pra nossa mesa de professores. Fim de noite. Ela queira seguir para casa em sua moto. Não deixei:
- Você tá mais do que chapada mulé, eu te levo.
Durante todo o caminho, tive que aturar a louca da Mônica gritando aos quatro ventos pela rua:
- EU PEGUEI O GORDINHOOOOOO!!!
- Para com esse escândalo Mônica! Vai acordar porra da rua inteira!
Deu de ombros.
- EDUARDO GOSTOSOOO! GOS-TO-SOOOOOO...
quinta-feira, 10 de março de 2016
A multiplicação dos peixes
Era uma tarde ensolarada de uma
quarta-feira prosaica, meu sócio e eu vínhamos pela Rodovia do Coco rumo a
Salvador. Já havia passado uma hora do meio dia quando decidimos parar para o
almoço. Estacionamos perto de uma praia – um peixe até que não seria má ideia.
Sentamos à mesa, aproximou-se uma senhora com uma cesta de pescado.
- Esse vermelho está muito pequeno,
pelo preço deveria ser pelo menos deste tamanho – fez o gesto com a mão. Daí
iniciou-se uma resenha sobre a diminuição do tamanho dos peixes no norte da
Bahia e a crise financeira decorrente. Eu, que pela fome que sentia comeria até
um lambari, desde que viesse rápido, deixei esta negociação a cargo de meu
sócio. Ensimesmado, coloquei-me a observar a cidadezinha onde paramos.
Havia um largo à beira mar, uma
igrejinha de portas azuis, um umbuzeiro majestoso sob o qual jazia um barco
aparentemente abandonado. Foi aí que eles começaram a chegar, um a um, meninos
e meninas com uniformes escolares. Mochilas nas costas, canelas finas, calçados
russos pela poeira da estradinha de chão. Ocuparam o barco abandonado e os
bancos no entorno. Lembrei-me das reuniões com meus amigos antes das aulas, a
conversa descontraída, as brincadeiras...
Foi quando um deles, graveto na mão como se
fosse um maestro, ergueu-se sobre o barco: – Vamo lá negada! Bateu três vezes sobre a mesa do timão, os outros o
seguiram:
-
Tac thu tac thu tac thum! thu tac thu tac thum! thu tac thu tac thum!
Esqueçam os tamborins, atabaques,
surdos, pandeiros e tudo mais. As paredes daquele barco transformaram-se na
mais harmoniosa precursão que eu ouvira. Que sintonia! Que facilidade! Que
afinação! Eu quase não podia acreditar no que estava assistindo. A eles juntou-se
um grupo de meninas coreografando a bombordo, as meias até os joelhos, os
braços longos e desengonçados de recém-adolescentes.
-
Tac thu tac thu tac thum! thu tac thu tac thum! thu tac thu tac thum!
O vendedor de sorvete parou para
assistir, uma plateia de passarinhos amontoou-se nos fios, o mar e o vento
aquietaram-se, todos espectadores daquele fabuloso espetáculo.
Um mulatinho bonachão de sobrancelhas
grossas pôs-se a cantar – Pobre Rosinha
de Chica, Que era bonita Agora parece Que endoideceu... Um barítono afinadíssimo
de um volume que superava, em muito, o som dos batuques. Uma potência
incompatível tanto com a sua idade quanto com o seu tamanho.
O tempo enfim mudou de compasso. Tudo
fluía com maior naturalidade, harmonia e boniteza. Pude observar um contorno
dourado nas portas azuis da igrejinha, vi que o umbuzeiro florescia e que o
barco estava em reforma, chamava-se Malvina. Olhei para a praia, a maré estava
baixa, um grupo de gaivotas perseguiam um sujeito que atirava sua tarrafa ao
mar. Em algum momento, de uma maneira que não percebi, chegou uma cerveja que refrescava
a ansiedade. Minha e de meu sócio, que a essa altura já esboçava um sorriso
meio bobo.
Um rasta chegou do nada:
– E aí brother? Vai uma miçanga? Um
colar?
- Vou querer não meu amigo...
- Ô meu Rei, me dê uma moral que tô
varado de fome!
- Sente-se aí com a gente – disse meu
sócio apontando uma cadeira – este vermelho está grande demais, dá pra nós três
e ainda sobra.
terça-feira, 8 de março de 2016
Oito de Março
Onde reside a beleza do mundo?
Os clássicos acreditam encontra-la na simetria
Os modernistas na imprevisibilidade
Os modernistas na imprevisibilidade
Os religiosos a buscam na fé
Os céticos na casualidade
Os céticos na casualidade
Os filósofos são atraídos pelas questões
Os físicos pelas respostas
Os físicos pelas respostas
Os moralistas veem a beleza no caráter
Já os libertários, nas escolhas
Já os libertários, nas escolhas
Os atletas alcançam a beleza no movimento
Os monges na quietude
Os monges na quietude
Einstein defendia a beleza da criatividade
Darwin a beleza da vida
Darwin a beleza da vida
Os fotógrafos a registram no olhar
Porém os aviadores, na amplidão.
Porém os aviadores, na amplidão.
Pois hoje eu penso que a beleza do mundo está no feminino
Em suas simetrias imprevisíveis
Na fé com que movem suas causas
Em suas questões sem respostas
No caráter de suas escolhas
Na quietude dos seus movimentos
Na criatividade que imprimem à vida
Na amplidão do seu olhar
A beleza do mundo está no femininoNa fé com que movem suas causas
Em suas questões sem respostas
No caráter de suas escolhas
Na quietude dos seus movimentos
Na criatividade que imprimem à vida
Na amplidão do seu olhar
E reside na sua capacidade de amar.
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