sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Talvez o Brasil não tenha acabado

Uma crônica de fim de ano

(foto reprodução Televisa)

Eu sei, decretei aqui mesmo nesta coluna o fim do Brasil há não muito tempo, junto com o término do Botafogo. Ocorre que, ao que parece, o Botafogo desacabou. O fato se deu mês passado, tive evidências quando num domingo dei carona para uma tia que mora na Estrada do Goiabal. Bucólica via espremida entre um apêndice da Serra da Estrela e o vale do Rio Inhomirim, que liga os bairros mageenses Raiz da Serra e Pau Grande.

Magé é um reduto de botafoguenses, principalmente nos arredores de Pau Grande, terra natal do gênio das pernas tortas, Garrincha. Neste dia que fui levar minha tia em casa as ruas foram tomadas de alvinegros enlouquecidos (perdão pelo pleonasmo) parecia carnaval. O Bota tinha metido quatro gols no coitado do Vasco, praticamente carimbado a volta à elite e de quebra enterrado o rival na segundona. A festa em Magé foi tão linda e grandiosa que me lembrou a Copa de 94, a maior e, em matéria de ufanismo, talvez a última catarse futebolística de nossa geração.

Este evento colocou tantas caraminholas da minha cabeça que comecei a cogitar a hipótese de que o Brasil de fato não tivesse acabado. Passei então a procurar sinais aqui e acolá de sobrevivência, ou ao menos de teimosia, um vislumbre qualquer de uma jabuticaba que fosse. 

Pois um dia estava eu na Avenida Brasil rumo à Seropédica quando li a placa: viaduto Engenheiro Oscar Brito. Na hora me veio aquele pensamento comum a todo morador da Zona Oeste:

- Engenheiro Oscar Brito é meuzovo, o nome é Viaduto dos Cabrito, todo mundo aqui sabe!

Esta história é maravilhosa, deixa eu explicar pra quem não é do Rio. Este viaduto, que dá acesso de Campo Grande à antiga rodovia Rio - São Paulo, oficialmente faz homenagem ao Engenheiro Oscar Brito, mas foi popularmente rebatizado de “dos cabrito”. O nome pegou de uma maneira que não tem placa que convença o carioca a chama-lo pelo nome oficial. E que nos perdoem os descendentes e o espírito do finado engenheiro, mas “viaduto dos cabrito” é um nome maravilhosamente carioca. A história é tão controversa que há quem diga que o nome sempre foi “dos Cabrito” e virou do Oscar Brito por obra e picardia da população que fez a própria prefeitura de otária por ocasião da confecção da placa. Entendeu? Que povo maravilhoso minha gente!

Pois eu peguei o Viaduto dos Cabrito e logo cheguei ao “km 32” bairro anônimo de Nova Iguaçu de comércio agitado e transito caótico. Pense numa via estreita com carro em todas as direções, ônibus, caminhão de lixo, carreta de 432 eixos, moto pra todo lado feito uma peste, pedestre atravessando a pé de um jeito que você não sabe onde é rua onde é calçada, carroça puxada a burro abarrotada de areia, bicicleta, camelô, poeira que só o sertão. Mano do céu! O carro vai numa velocidade média de 3 km/h. Você é levado a questionar o sentido da vida quando passa pelo km 32. Mas... essa crônica toda foi pensada pra chegar a esse clímax, presta atenção...

mas...

eu olho  pro lado e vejo um cartaz com uma foto da Dona Florinda. Tá ligado na Dona Florinda? Do Chaves. Mãe do Quico! Pois bem, tá lá ela, com olhar apaixonado, seus bobs na cabeça, as mãos unidas em pêndulo sobre o ombro, um sorriso bobo bobo. Ao rodapé do cartaz lia-se a frase: Você não gostaria de parar e tomar uma xícara de café? Por traz do cartaz uma banquinha com duas garrafas de café, alguns biscoitos amanteigados e um casal de vendedores ambulantes ganhando a vida distribuindo amor, açúcar e cafeína para motoristas estressados feito eu.

É por essas e outras que neste dia cheguei à conclusão: O Brasil ainda não acabou.

Ainda temos chance de ser o país do abraço, do sorriso e da poesia improvável. Ainda temos uma chance de entender de uma vez por todas o que o Sérgio Buarque quis dizer por “homem cordial”. Um pais que teve Garrincha, Abdias do Nascimento, Solano Trindade, Oswaldo Cruz, Belchior, Lima Barreto, Lélia Gonzales, os Irmãos Rebouças, Luiz Gama, Hélio Oiticica, Gonzagão e Gonzaguinha. O país de Milton Nascimento, Rebeca Andrade e tantos outros talentos, jovens e veteranos, anônimos ou não. Ainda não acabou, ainda há amor, está nas nossas mãos. Que venha mais um ano.



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