domingo, 29 de maio de 2022

Hino

Agora vejam vocês, ao que parece a Prefeitura do Rio de Janeiro resolveu tornar obrigatório o canto do Hino do Município nas escolas. O mesmo deve ser cantado, no mínimo uma vez por semana, após o Hino Nacional. 

Pelo menos foi o que avisou o Jorge, coordenador pedagógico da Escola Municipal Renato de Alcântara, na segunda-feira passada, minutos antes da abertura dos portões para recebimento dos alunos. Ao qual o corpo docente perguntou em coro:

- Que mané hino do município?

- Também não sei, mas já salvei aqui no pendrive, vou soltar na caixa de som depois do Hino Nacional.

Foi um burburinho danado. Mas o Jorge, que antes da carreira acadêmica foi cabo do 11° BPE, não gosta de muita conversa. Muito menos segunda de manhã. Muito menos questionando ordens da Secretaria de Educação. E lá se foi todo mundo colocar a molecada em forma.

Tudo começou como de praxe. Hasteamento da bandeira, hino nacional, etc e tal. Mas daí no final, logo depois do:

Pátria amada Brasil... Tãrãrã, tãrãrãããããã.

Começou:

Tananãããã..... tananã, tananã
Tananãããã..... tananã, tananã
Parararã, pararã, pararã
Pararararã, nã, nã
Tam Tam Tam

Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil...

As professoras do segundo ano se entreolharam e tiveram que segurar o riso. O Cleiton, aluno da 3003 começou a marcar o ritmo na palma da mão e foi prontamente seguido pela galera do fundão. Pouco tempo depois Ketlen, Milleny e Maria Eduarda, alunas do quinto ano e passistas mirins da Renascer de Jacarepaguá, começam a sacudir os ombros e a girar os braços. 

Mas a coisa saiu mesmo do controle quando Maria das Dores, professora do primeiro ano, deu um requebro nas cadeiras. Daí em pouco tempo aquilo virou um Carnaval. Foi lindo de se ver.

Quer dizer, todo mundo achou lindo, menos o Jorge. E depois do Jorge a diretora, que não estava na escola na hora do hino, mas ficou sabendo quando recebeu a gravação no grupão do zapzap.

Mas vamos combinar, né Jorge. Não dá pra tocar cidade maravilhosa depois daquela caretice parnasiana do Duque-Estrada. Sem condições. Qualquer DJ em início de carreira vai concordar comigo. 

E para vocês não saírem por aí dizendo que eu só fico criando quizumba sem apresentar soluções, proponho o seguinte: para melhor adequação do set list vamos adotar "O Canto das Três Raças" como Hino Nacional. Música do Mauro Duarte e do Paulo César Pinheiro, que perdeu a disputa para ser samba-enredo da Portela, mas foi eternizada pela diva Clara Nunes no LP lançado em 76. 

As vantagens são inúmeras. A letra é muito mais honesta com a nossa história. O poeta dá o papo reto, sem aquele monte de rodeio. Ninguém vai passar o constrangimento de cantar sem entender muito bem o que está dizendo. A melodia é linda, muito melhor que a outra. Tem um toque de atabaque maravilhoso. Quando tocar na Copa os gringo vão ficar de queixo caído. 

De quebra, a gente devolve o amor para o lema da bandeira nacional, para de fingir que está dando tudo certo e muda de vez o rumo dessa prosa. Que afinal, nunca foi lá uma mãe assim tão gentil. 



 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.

Imagem: Estado de Minas, em.com.br, Por Vinícius Prates 18/11/2021 09:49 - Atualizado em 18/11/2021 10:46

domingo, 22 de maio de 2022

Iminência Cearense


A luz no Ceará tem um quê de escama de peixe. Há alguma coisa prateada e cintilante nos ares que confere ao horizonte um tom assim... metalizado. Como se alguém tivesse cuidadosamente polido o dia para uma grande celebração. Como se a qualquer momento algo de extraordinário pudesse acontecer, absolutamente do nada. Estar no Ceará me traz um tipo singular de felicidade, uma felicidade no porvir, no acaso do segundo seguinte.

Saindo da Capital peguei a estrada rumo ao leste do estado. A vegetação vai rareando e se ressequindo com o passar dos quilômetros. O que nas proximidades do litoral é um verde claro e brilhante, aos poucos vai se tornado cinza e opaco. Somem os cajueiros e as palmeiras, surgem os mandacarus e as juremas. Leva-se tempo para apreciar a beleza do sertão. Há de se aprender que toda aquela desolação está há poucas gotas da apoteose. A vida está ali, suspensa, aquietada, resistente. O sertão é um noivo a porta da igreja, é um estudante há poucas semanas da formatura. O sertão sou eu, no fim de um dia de sol, aflito, durante o tempo que o garçom leva para ir da minha da mesa à chopeira e voltar.

Mas não pense você que a caatinga é monótona e cinza. Vez em quando surge um juazeiro verde e vistoso, um dia hei de fazer uma crônica só para falar de juazeiro.  Outrora avista-se um buritizal, e no meio deste uma vereda, com brejos donde os sapos fazem cantoria em cujo arredores o sertanejo faz brotar uma horta ou um pasto.

Numa destas veredas vi um vaqueiro a juntar uns bois desgarrados que invadiram a pista. Lembrei de um conto que li da Raquel de Queiroz, onde ela descreve estes senhores como “belos, valentes e delgados” com seus trajes encourados “extraordinariamente românticos” capazes de fazer milagres no corpo de um homem.

Ela então continua descrevendo as nuances do “couro muito justo ao relevo das pernas e das coxas” e do “guarda peito colado ao torso, cujo gibão amplo acentua a esbelteza do homem” – Ah Dona Raquel danada! – Ela termina contando que é redundante dizer que um vaqueiro é esbelto e forte pois caso ele não seja “enxuto de carnes” nunca encontrará cavalo no sertão que o carregue a cortar a caatinga atrás de boi.

Pois bem, ocorre que a motocicleta chegou no sertão. E junto com a motocicleta chegou o refrigerante. E é bem provável que isto seja um problema, pois o vaqueiro que vi estava longe de ser enxuto de carnes, muito pelo contrário. Suas ancas fartas extravasavam pelas laterais da moto, pobre máquina, esta sim fazia jus à fama de bravura do sertanejo.  Ele até tinha lá uma perneira de couro, mas o gibão fora trocado por uma camisa do Paris Saint Germain novinha e um tanto quanto curta. Na cabeça, um boné de aba reta.

É... O sertão anda mudado Dona Raquel. Mas os juazeiros seguem como dantes.  

 


 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.

 

Meu primo Célio

E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...