Januário saiu
de sua casa na rua Lucinda Barbosa em Quintino para cumprir sua rotina. Foi a
padaria, tomou uma média para quebrar o jejum. Encontrou os companheiros de
balcão, maioria flamenguista, tirou onda pois seu Fluminense ganhara o fla-flu
no dia anterior. Estava especialmente feliz.
Os amigos trataram de mudar de assunto, falaram de política, reclamaram
dos preços.
Januário mostrou a foto dos netos no celular,
viu que o relógio marcava sete e quinze e se apressou em escolher uma bisnaga
bem morena. Sabia que se aproximava da hora de sua Regina despertar e lhe fazer
o café. Bem forte, como ele gostava. Ganhou a rua Bernardo Guimarães, notou que
haviam inaugurado uma outra igreja evangélica – haja crente! Avistou o filho de
um amigo descendo a rua apressado:
- Vai devagar
meu filho, o três quatro meia acabou de passar.
- Daqui a
pouco vem outro seu Januário, tô atrasado!
Seguiu seu
caminho, de longe avistou o gari:
- Orelha
seca! – Era o apelido do sujeito.
- Bom dia seu
Januário.
- Gostou do Fluzão
ontem?
- Foi na
cagada Seu Januário.
- Chora
urubu!
Na esquina de
sua rua foi parado pela vizinha – velha chata – disse em pensamento. Ficou
dando respostas evasivas, mal prestou atenção na conversa, queria seguir
caminhando, ela o impedira. Foi quando
uma borboleta decolou da imagem de São Jorge e pousou bem no seu ombro.
- Olha seu
Januário ela gostou do senhor!
O inseto
decolou novamente, rodopiou e pousou na testa da senhora que soltou um – Ui!
Eles riram. Cada um seguiu em uma direção. Januário desviou o caminho e passou
no apontador do jogo do bicho. Investiu o troco do pão na borboleta – vai dar
na cabeça.
Chegou em
casa:
- Demorou
hoje Januário.
Pensou em
colocar culpa da vizinha inconveniente, mas sabia que Dona Regina morria de
ciúmes. Achou que a melhor desculpa era contar sobre o jogo do bicho.
- Você fez o
quê?
- Joguei na
borboleta.
- Eu já
cansei de falar pra você parar de dar dinheiro pra esses marginais do jogo do
bicho. Você não tem jeito Januário!
- Mas foi o
troco do pão, não deu nem cinco reais!
- Não
interessa! Você sabe muito bem que no fim do mês faz falta! Essa raça de jogo
do bicho é tudo bandido! Você é muito bobo mesmo Januário.
E Dona Regina
seguiu reclamando pelo resto da manhã. Queimou o arroz, pôs a culpa em
Januário. Quebrou um copo, pôs a culpa em Januário. Foi na caixa de correios,
chegaram as contas:
- Tá vendo
Januário? A luz aumentou.
- É o verão
Regina.
- Se você
continuar dando dinheiro pra esses marginais do jogo do bicho, a gente vai ter
que viver a luz de velas.
- Você hoje
tá impossível mulher!
- Impossível
é ter marido viciado em jogo!
Januário
levantou-se injuriado e foi para rua. Voltou na padaria, pediu uma cerveja,
jogou um bocado de conversa fora, acalmou-se. No caminho de volta passou na
banca. Tinha dado borboleta na cabeça. Pegou radiante os trinta e oito reais do
prêmio – agora ela sossega! Voltou para casa:
- Toma
Regina. Vai fazer as unhas.
- Que isso?
- Deu
borboleta.
- E você
ganhou essa miséria?
- Mas eu
joguei menos de cinco reais mulher!
- Nem pra
isso você presta Januário. Da próxima vez joga cinquenta.
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