sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Dia de Sorte


Januário saiu de sua casa na rua Lucinda Barbosa em Quintino para cumprir sua rotina. Foi a padaria, tomou uma média para quebrar o jejum. Encontrou os companheiros de balcão, maioria flamenguista, tirou onda pois seu Fluminense ganhara o fla-flu no dia anterior. Estava especialmente feliz.  Os amigos trataram de mudar de assunto, falaram de política, reclamaram dos preços.

 Januário mostrou a foto dos netos no celular, viu que o relógio marcava sete e quinze e se apressou em escolher uma bisnaga bem morena. Sabia que se aproximava da hora de sua Regina despertar e lhe fazer o café. Bem forte, como ele gostava. Ganhou a rua Bernardo Guimarães, notou que haviam inaugurado uma outra igreja evangélica – haja crente! Avistou o filho de um amigo descendo a rua apressado:

- Vai devagar meu filho, o três quatro meia acabou de passar.

- Daqui a pouco vem outro seu Januário, tô atrasado!

Seguiu seu caminho, de longe avistou o gari:

- Orelha seca! – Era o apelido do sujeito.

- Bom dia seu Januário.

- Gostou do Fluzão ontem?

- Foi na cagada Seu Januário.

- Chora urubu!

Na esquina de sua rua foi parado pela vizinha – velha chata – disse em pensamento. Ficou dando respostas evasivas, mal prestou atenção na conversa, queria seguir caminhando, ela o impedira.  Foi quando uma borboleta decolou da imagem de São Jorge e pousou bem no seu ombro.

- Olha seu Januário ela gostou do senhor!

O inseto decolou novamente, rodopiou e pousou na testa da senhora que soltou um – Ui! Eles riram. Cada um seguiu em uma direção. Januário desviou o caminho e passou no apontador do jogo do bicho. Investiu o troco do pão na borboleta – vai dar na cabeça. 

Chegou em casa:

- Demorou hoje Januário.

Pensou em colocar culpa da vizinha inconveniente, mas sabia que Dona Regina morria de ciúmes. Achou que a melhor desculpa era contar sobre o jogo do bicho.

- Você fez o quê?

- Joguei na borboleta.

- Eu já cansei de falar pra você parar de dar dinheiro pra esses marginais do jogo do bicho. Você não tem jeito Januário!

- Mas foi o troco do pão, não deu nem cinco reais!

- Não interessa! Você sabe muito bem que no fim do mês faz falta! Essa raça de jogo do bicho é tudo bandido! Você é muito bobo mesmo Januário.

E Dona Regina seguiu reclamando pelo resto da manhã. Queimou o arroz, pôs a culpa em Januário. Quebrou um copo, pôs a culpa em Januário. Foi na caixa de correios, chegaram as contas:

- Tá vendo Januário? A luz aumentou.

- É o verão Regina.

- Se você continuar dando dinheiro pra esses marginais do jogo do bicho, a gente vai ter que viver a luz de velas.

- Você hoje tá impossível mulher!

- Impossível é ter marido viciado em jogo!

Januário levantou-se injuriado e foi para rua. Voltou na padaria, pediu uma cerveja, jogou um bocado de conversa fora, acalmou-se. No caminho de volta passou na banca. Tinha dado borboleta na cabeça. Pegou radiante os trinta e oito reais do prêmio – agora ela sossega! Voltou para casa:

- Toma Regina. Vai fazer as unhas.

- Que isso?

- Deu borboleta.

- E você ganhou essa miséria?

- Mas eu joguei menos de cinco reais mulher!

- Nem pra isso você presta Januário. Da próxima vez joga cinquenta.


Licença Creative Commons
 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.

Meu primo Célio

E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...