sábado, 8 de julho de 2023

Não conta lá em casa


Eu começo essa crônica pedindo encarecidamente para que não deixem essa história chegar lá no Cu da Mãe.

Para você que é novo nesta coluna, eu explico que o Cu da Mãe é um complexo de bares situado nas cercanias da estação ferroviária de Piabetá, a antepenúltima do ramal Inhomirim. Ambiente de ilibada reputação frequentado majoritariamente por trabalhadores do transporte público, garçons e chapeiros em fim de expediente, moças rechonchudas em trajes mínimos, cronistas e outros tipos de desajustados.

Como frequentador antigo eu tenho certas regalias, tais como ter a cerveja servida em copo americano, um luxo. Mas se alguma boca maldita for lá no Cu da Mãe para  contar os fatos que aqui hei de narrar e, principalmente, dizer onde eu fui parar, temo imensamente pela manutenção de meu status social.

Acontece que, por uma sequência improvável e bizarra de eventos, eu fui parar em Orlando. Lá mesmo! Orlando City. Paraíso mundano das pessoas que compram produtos fora de moda no estrangeiro com objetivo único de: tirar onda. Seja nos corredores do shopping em Ribeirão Preto ou na fila da cantina da igreja em Uberaba.

Eu sei, você deve estar se perguntando como danado eu fui parar em Orlando. Pois até o momento da edição final deste texto eu não concebi explicação plausível. Apenas uma coisa é certa: Lapinha em Orlando é como uma vaca em cima de uma árvore. Explico, se você, caro leitor, um dia avistar uma vaca no topo de uma árvore tenha duas certezas: ela não chegou lá por meios próprios e, tampouco, há de ficar por muito tempo. Eu, por exemplo, já fui e voltei e você nem percebeu.

Quando eu visito destinos assim tão exóticos tenho o mal hábito de me empenhar em descobrir a alma do lugar. Nesta tarefa, confesso que Orlando talvez tenha sido o lugar que mais me deu trabalho. Meus dias lá se esvaíam entre meus dedos e eu sequer tinha um vislumbre. Definitivamente eu não entendia aquele lugar. Relutava bravamente ante à ideia de que a cidade inteira se resumia a um grande shopping a céu aberto.  

A minha primeira pista encontrei numa manhã quando saí pra dar uma corridinha (agora que o pessoal do buteco vai acabar comigo) – Corridinha Lapa? – Mas esta é a questão. Passei correndo por um senhor pretinho bem velho, ele tinha um ombro mais erguido que o outro, o cabelo grisalho volumoso e as pernas desproporcionalmente longas. Enquanto ele usava um ancinho para, cuidadosamente, tirar as  folhas secas de cima do gramado, ergueu os olhos em minha direção e disse:

For what any misery are you running bro? – Algo como… - Por que miséra você tá correndo irmão?

Alguma coisa no sotaque... E, até mesmo no gestual dele, me lembrou que eu estava no sul da América do Norte. O mesmo Sul que deu ao mundo a maravilha do Blues.

No fim daquele dia eu achei um boteco dentro de um shopping (tisc!) com um quarteto de cordas mandando ver nas dissonâncias e demais acochambres, mas... Sei lá, não era a música, era o entorno. Talvez se fosse New Orleans, mas ali, naquele lugar, a canção me trouxe uma sensação de estar na festa certa com a roupa errada. Além do mais, eu já passei muito dos vinte e cinco anos, vocês sabem, eu também, um tango argentino me cai bem melhor que um blues.

Saindo deste boteco eu peguei um uber e o motorista veio puxar assunto comigo em espanhol. Se ele fosse do oriente médio iria puxar assunto em árabe. É assim a vida de um mulato feito eu no estrangeiro. Ocorre que tanto os árabes quanto os latinos ficam um bocado confusos quando eu digo que não compreendo o idioma – Como assim irmão! Qual foi? - Daí eu explico que sou brasileiro e um sorriso logo se abre:

- Brasileño han...

- Sí.

Daqui pra frente cabe ressaltar que eu não falo tampouco escrevo nada em espanhol. Então os diálogos serão transcritos da forma como eu acho que ouvi.

- Brasileño han...

- Si

- Yo soy de la Republica Dominicana. Caribeño papi!

- Legal!

Daí o motorista começou a cantar. Isso mesmo, cantar, do nada, do nadão:

- E tôdo passa, Tôdo passa, Tôdo paaaaaaaassará!

- Nelson Ned? – perguntei

- Si papi. El brasileño mas querido de todo el Caribe....

- Puta que pariu. Tá me zoando.

- Como? Soando?

- Jo quiz disser... no creo...

- Si... Mui amado.

Daí seguimos conversando sobre música. Provando a tese de que do “Bravo até a Terra do Fogo, desde que se tenha boa fé e fale devagar, todos se entendem”. Fui apresentado à música de  Xiomara Fortuna e a Omar Alfanno, enquanto ele me explicava a influência da cultura musical brasileira no Caribe, de Milton Nascimento a Anitta.

- Que hermosa es esta Anitta heim, papi?

- Ela é demais. - Respondi

- E nos és solamente la sensualidad, la chica tiene mucho talento hannn?

- Siii...

- E Alezandre? Por onde anda Alezandre?

- Alezandre?

- Sí Alezandre Pires.

- Ah.... Gravou disco com seu Jorge.

- Quem?

- Su Jorge, Su Rorre... põe aí no google

- Escribe aquí

O cara me entregou o celular dele, que estava pareado com a multimídia do carro, coloquei pra tocar o show do Alexandre Pires com Seu Jorge: Irmãos. 

Três acordes depois o meu amigo motorista pirou o cabeção – Como no pude haber conocido a esto Rorge? Papi de Dios!

E assim viemos, um dominicano e um brasileiro, ouvindo pagode ao longo da Palm Parckway boulevard. Quando estávamos quase chegando ao meu destino perguntei:

- Quanto tiempo estás em Orlando

- Nueve años.

- Usted já encontrou la alma deste lugar?

- Como?

- Usted entiendes este lugar?

- Orlando City?

- Si.

- Soft power papi! Los Estados Unidos inviesten RIOS de doláres en el cine.  Aquí en Orlando, los turistas los devulven toda essa grana, com la debida adición. Y... lo hacen con gusto y felicidad! 



 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.

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