domingo, 23 de maio de 2021

Alagoinhas


Eis que após 53 anos a final do Campeonato Baiano vai ser entre dois times do interior. Meu querido BahÊa deu esse mole e a final disputada hoje será entre o outro Bahia, o de Feira de Santana, e o Alético de Alagoinhas, atual vice-campeão.

Daí lembrei do tempo que passei em Alagoinhas, quando eu acordava cedo para correr em volta do Carneirão, casa do time local. A cidade do interior baiano é simpática, quente que só a moléstia e com pernilongo a dá com pau. Para dormir era ar condicionado no 15, repelente no corpo inteiro e moletom. Ainda assim um dia eu acordei com uma picada no dedo pé. Você já levou picada de pernilongo no dedo do pé? Em Alagoinha tá tendo.

Mas não me leve a mal, a cidade é realmente bacaninha. O centro é bem movimentado e possui avenidas largas. No meio das quais há uma praça arborizada com poucas, porém boas opções de restaurantes. Lembro bem de um que ficava num casarão antigo, todo cor-de-rosa, com um lindo quintal arborizado, só a ambientação já valia a conta, eles serviam uma galinha a cabidela absolutamente espetacular.

Outra coisa boa que comi lá foi, pasmem, sushi. Explico, é que o Toquinho, que viajava comigo, uma certa noite insistiu em comer comida japonesa. Eu tentei argumentar dizendo que enquanto eu estivesse na Bahia eu jantaria acarajé TODAS AS NOITES. Não adiantou. Então eu disse que a gente estava a 100 Km do litoral, a 1.000 Km de um atum vivo e a 10.000 Km de um salmão fresco. Não adiantou, Toquinho é um cara bom de argumento. E lá fui eu comer sushi em Alagoinhas e, para minha surpresa, estava perfeito, delicioso. O mundo realmente está globalizado. Mas ainda prefiro acarajé.

Daí teve uma tarde de quinta-feira, quando estávamos voltando do trabalho de Uber, por uma via onde a gente sempre passava. Só que nesse dia o transito não andava. Ficamos ali parados um tempão até que o motorista se virou e disse.

- Vocês se importam se eu for pelo “blablabla” - disse lá o nome do bairro que não me lembro.

- O que houve amigo?

- É que estourou um cano aí na frente, a prefeitura interditou, se a gente insistir aqui vai demorar.

- Vai na fé piloto.

Ele pegou um desvio por dentro de uma favelinha. Subiu um morro, ziguezagueou por umas vielas e desceu devagar. Devagar porque acho que todos tiveram a mesma ideia e engarrafou a saída da quebrada. Quase chegando no pé do morro eu vejo um sobrado cujo térreo tinha duas lojinhas, divididas por uma parede. De primeiro se dizia – de parede meia uma com a outra. Uma das lojas era ocupada por uma Igreja Deus é Amor. Um irmão de terno na porta, lá dentro umas senhoras de cabeça baixa cantando – Foi na cruz, foi na cruz....

A loja exatamente ao lado era... uma zoninha.

Zoninha, zona, cabaré, castelo, bordel, tá ligado?

DE-PAREDE-MEIA-COM-A-IGREJA-DEUS-É-AMOR-MANO-DO-CÉU!

Zona, zona mesmo, luz vermelha na porta, leão de chácara, umas meninas de shortinho, barriguinha proeminente num quase topless (tinha tipo um pompom no mamilo). Elas ali, animadas, mandando beijo para os passantes, e o leão de chácara batendo um papo com o irmão, porteiro da igreja ao lado.

- Olha isso Toquinho.

Toquinho olhou e soltou uma gargalhada – Rapaz o cara tem que tomar cuidado para não errar de porta.

Ao que o motorista disse:

- Isso é Bahêa pai.

Daí fica a dica: se você for em Alagoinhas comer sushi é de boas, mas se for para rezar... preste atenção aonde entra.

Se o Bahia de Feira vencer, na semana que vem conto da vez que estive em Feira de Santana, com direto a escala em Máru-Máru, terra de Dona Canô.




 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional


domingo, 16 de maio de 2021

Beijaço



O Prefeito do Rio tá aí no twitter prometendo beijaço no fim do ano, visto que, segundo ele mesmo, todos os cariocas estarão vacinados nesta época. Longe de mim acreditar em promessa dessa gente, mas fica a torcida, não por ele né, pela vacinação. Acontece que, ouvindo esse papo furado, me bateu uma saudade do último beijaço que participei, lá se vai o tempo.

Pra vocês aí menines que não conhecem o termo beijaço, diz-se do evento onde você sai beijando indiscriminadamente quem vier a topar “haja o que hajar”, como se diz no Norte Fluminense. O meu derradeiro foi justamente num réveillon.  

Era eu um jovem universitário e fui convencido a passar o fim de ano numa cobertura da tia de alguém. Apartamento que diziam ser quase em Botafogo onde quase dava para ver os fogos de Copacabana. Mas que no fim das contas era quase no Catete e dava pra ver muito bem o apartamento do prédio horroroso que tinha bem em frente.

A cobertura era tão grande quanto velha. E era bem grande, um duplex. Duplex sempre dá problema, pior que isso só tríplex. Tirplex dá impeachment, Fiat Elba também. A festa tinha um buffet com umas comidinhas sofríveis provavelmente compradas em uma padaria de reputação duvidosa. A música era muito alta e mal equalizada. O banheiro era um horror, fizeram uma dedetização mas esqueceram de recolher as baratas mortas. O acesso ao banheiro se dava por um corredor onde havia um quarto alugado para uma senhora já um tanto senil e surda que abria a porta e olhava sinistramente toda vez que a gente passava – Na moral, dava medo de ir mijar.

- Mas o que tinha de bom nessa festa Lapinha?

Tinha nós. Tudo que nós tem é nós ué (eu soube disso antes do Emicida). Principalmente quando se é jovem, todo mundo bonito, sem um puto no bolso, mas com hormônio para dar e vender. Umas meninas maneira, todas lindas vestidas de réveillon, com umas cintura de gente nova, umas pele que nunca viram um renew. Uns cara engraçados, todos bonitões estufando o peito que nem ganso, não tinha um que fosse careca, um ou outro gordinho, uns gordo bonito com cara de bom vivant.

E também tinha... cerveja. Pausa para explicar uma coisa. Presta atenção. Era muita cerveja. Cerveja barata, óbvio. Eu nem conhecia cerveja cara nessa época e era muito feliz por isso. Mas era muita, era a produção mensal da Ambev para meia dúzia de gato pingado. Eu jamais voltaria a ver tanta cerveja junta na minha vida. E olha que eu já frequentei cada balbúrdia... Na boa, alguém errou muito na conta. Pegaram a nossa grana, economizaram no buffet zuado da padaria e no apartamento caído emprestado da tia, mas torraram tudo em cerveja. Era muita. Uma quantidade colossal de cerveja. Um absurdo. Era muita, muita cerveja. De verdade. Eu mal te conheço, mas eu sei que você nunca viu tanta cerveja junta porque era impossível juntar tanta cerveja assim para um evento. Acredite em mim.

- E daí Lapinha? Para de enrolar, já entendi que era muita cerveja. Fala do beijaço.

E daí caro Leitor que eu comecei a beber quando cheguei no evento, cheguei antes do pôr do sol porque disseram que ia ter piscina. Não vou comentar aqui o estado da piscina tá... Basta dizer que ninguém entrou. Nós fizemos a primeira "no pool" party do Rio de Janeiro. Enfim, cheguei cedo, comecei a beber igualmente cedo e muito antes da meia noite, tanto eu quanto os demais, já estávamos loucos e com dente quebrado. Quer dizer, com o dente quebrado só eu mesmo, mas louco todo mundo estava. Essa história do dente quebrado eu conto depois, já que você está interessado mesmo é no beijaço.

Ocorre que, quando se aproximava a hora da virada, o Leandro, que era o promotor do evento, abaixa o som pega o microfone e fala:

- Galera vamo indo pra Copa que daqui a pouco começa os fogos.

- Coroio mané, Copa é longe pra cacete.

- É logo ali pow.

- E as cerveja?

Pausa para eu te explicar, criança, que o tal do bêbado tem um compromisso moral com a cerveja. Não importa a quantidade, o bêbado só tem paz quando acaba a cerveja. Daí teve um princípio de confusão até que apareceu um isopor gigante. A gente encheu o isopor de cerveja e partiu rumo a Copa.

A ideia original era cada um carregar um pouquinho se revezando de par em par. Mas geral adiantou o passo e sobrou pra o Leandro, promoter da festa, o Robson, primo dele, o Ricardo, meu parceiro de curso e, obvio, esse cronista que vos fala. Daí já na altura de Botafogo, estávamos eu e meu parceiro Ricardo a carregar o tal do isopor, quando tive a brilhante ideia:

- Cadim...

- Qual foi Lapa?

- Vamo aliviar esse peso aí bro.

- Como?

- Vamos distribuir essa porra.

Ricardo, vulgo Cadim, muleque piranha de Olaria, olhou pro lado, vinha uma mina...

- Aew, quer cerveja?

- Quero - respondeu a moça.

- Então me beija.

Beijou.

E assim fomos nós, distribuindo cerveja e beijo pelo aterro do Flamengo, coisa linda de se ver. A gente beijou gatinha, baranga, patricinha, nem, tiazinha, vovó, mamãe com bebê no colo... quem quisesse cerveja a gente beijava. As vezes era um selinho tímido, as vezes era um beijão daqueles de cinema, era beijo de todo tipo. O Robson beijou até um cara.

- Corolho Robim, você tá ligado que acabou de beijar era um cara né?

- Tô sim Lapa. Beija benzão ele, bicho!

Vida que segue.

Com um tempo a gente se deu conta que naquele ritmo ia chegar em Copacabana dali a quatro réveillons. Fizemos sinal para um ônibus, lotado. Dispensamos aquele e pegamos o seguinte que estava só meio cheio. Entramos carregando aquele volume todo, geral no coletivo olhou pra nossa cara, eu anunciei.

- Senhoras e senhores passageiros, desculpa incomodar o silêncio de sua viagem, é que a  gente tá trazendo aqui a promoção da cerveja. É quase de graça, a gente está trocando por beijo. Beijou levou na promoção.

- Como é que é moreno? 

Me Perguntou a cobradora que era a cara da Alcione na foto de capa do LP “Alerta Geral” de 1978. Põe no gugou.

- Beijou levou - respondi. 

A danada desceu da cadeira, ajeitou a roupa,  me segurou pela nuca e me deu um beijo com o qual sonhei anos a fio. Não é que ela tirou meu ar... ela tirou meu espírito, amassou e devolveu. A galera do busão aplaudiu de pé. Ainda ganhei uma apalpada na bunda, não sei ao certo se foi a cobradora. Depois disso a gente distribuiu cerveja pra geral no ônibus. Na hora que a gente desceu até o motorista pegou três latinhas “para beber mais tarde”. Ele esperou a gente descer, fechou a porta, abriu uma, engatou a primeira e partiu.

Pegamos outro coletivo, só que no sentido oposto. Era para reabastecer o isopor. Ficamos nesse trajeto Copacabana x Catete distribuindo amor, cerveja e beijo, não sei muito bem por quanto tempo. Tem um lapso de memória aí.  

Lembro somente de acordar com um barulho de campainha tocando. Abri a porta era um garçom com uma bandeja.

- Seu sanduíche senhor.

- Sanduíche?

- O Senhor não pediu um misto quente?

- Misto?

- Esse não é o apartamento 405?

- Olhei para a porta... É... 405.

- Então. Um misto quente e uma coca-cola, apartamento 405 – disse o garçom mostrando uma comanda.

- Desculpa meu amigo... que lugar é esse?

- Como assim senhor?

- Onde que a gente está?

- Hotel Ibis Macaé, Senhor.

- MacaéÉÉÉÉÉÉ!!!



 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional

domingo, 9 de maio de 2021

Jorginho


Ano é 1984, estamos em Vila Inhomirim, distrito de Magé, cidade de grande importância política e econômica na época do Império, mas que entrou em profundo declínio desde que, a mando do presidente Floriano, teve sua população massacrada pelo exército brasileiro. Os poucos que sobreviveram testemunharam os saques e estupros em praça pública promovidos por uma horda de valorosos soldados brasileiros, patriotas e cumpridores de ordens. O episódio ficou conhecido como “Os Horrores de Magé” põe no Gugou.

Daí o tiro de misericórdia foi a construção da BR-040 cujo traçado redesenhou a Estrada Real deixando ao largo os distritos mageenses e os transformando numa espécie de “Radiator Springs”. Põe no Gugou também. De lá para cá, o município tornou-se cidade dormitório da classe operária.

Depois desse grande e desnecessário contorno histórico (mas que vinha entalado na garganta deste cronista), voltemos à 1984, na Vila Inhomirim, onde conheceremos o menino Jorginho. O bairro em questão tinha a rua principal, onde estava o comércio, e as transversais, onde moravam as pessoas. Essas transversais dividiam-se em terços. O primeiro terço ia da rua principal até a pracinha, era calçado por paralelepípedos e habitado pelas pessoas mais “ricas”. Ricas entre aspas, pois o conceito de rico era morar em uma casa com acabamento na fachada, se tivesse automóvel era milionário, se tivesse automóvel e telefone era semideus.

O segundo terço da rua não tinha calçamento, terra batida e casinhas, em sua maioria, sem reboco na parede. Lá morávamos o menino Jorginho e eu, éramos vizinhos. Este terço empobrecido de rua ia da pracinha até a rua do valão. O valão em 1984 não era assim tão valão quanto é hoje. Ainda era meio valão e meio córrego. Uma espécie de moribundo condenado à morte. Mas que ainda tinha sapos, piabas, barrigudinhos, cascudo, acará e muçum, além de garças e martim pescador. Isso porque, na década de 80, embora o esgoto de toda rua fluísse in natura para ele, eram poucas as casinhas e o fluxo d’água do córrego dava conta de apurar a podridão.

Quase que eu não falo do último terço da rua, aquele lá depois da rua do valão. Parceiro, os pobres que moravam depois da rua do valão eram aqueles pobres que a gente que era pobre apontava e falava assim – Caraca mané, nós não pode ser pobre que nem eles não! Pai, namoral, vai fazer serão aí, mãe arruma mais uma lavagem de roupa que te ajudo! Pelo amor de Jesus! - Essa piada não é minha, é do Afonso Padilha, mas eu achei que caía bem nesse contexto.  

Quando chovia o valão se vingava e devolvia toda a sujeira para a rua, não poupava ninguém, nem o terço pavimentado. O pedaço que a gente morava virava um atoleiro, pra sair a gente tinha que colocar sacola no calçado, calçado no singular, porque era o único que tinha mesmo. Daí vinha o sol da Baixada Fluminense, muitos mosquitos e alguns dias depois o atoleiro virava megapoças.  As megapoças iam secando até virarem charcos de lama povoados de girinos agonizantes. É justamente aí que vamos achar o pequeno Jorginho, em sua inocência de menino de 3 anos, sendo feliz chafurdado no lama até o pescoço. Nesse tempo os meninos bricavam na rua. Mesmo porque ninguém que tivesse um automóvel se aventurava a passar naquele trecho da rua. O único veículo que passava era o caminhão do lixo a cada quinzena. Passava só até o valão, porque depois do valão vocês sabe né? Só foi conhecer um veículo motorizado em 1994 dias depois do gol “nana neném” do Bebeto.

Crime também não tinha. Afinal todo mundo conhecia todo mundo. Inclusive os poucos ladrões de galinha. Lembro de uma vez que o meu pai me levou na casa do sujeito, bateu palmas no portão – Olha só meu camarada, eu sei que vocês vivem aí muito mais do que na merda, mas isso não te dá o direito de invadir o meu fumeiro e roubar a minha banda de leitoa, ou você arruma um jeito de me pagar, ou eu vou na delegacia dar parte – dias depois o filho desse senhor deixou um par de marrecos lá em casa. Estava eu todo feliz já querendo degolar os bichinhos, ao que meu pai advertiu – nem perca seu tempo que daqui uns dias o verdadeiro dono vem buscar – dito e feito.

Voltemos ao Jorginho chafurdado na lama, batendo os pezinhos feliz da vida. A cada batida voavam um naco de lama e cinco girinos. Quando Dona Rosemeri viu o filho naquela situação sentiu um arrepio a lhe percorrer a espinha.

- Jorge Henrique Fernandes do Santos Junior sai daí agora!

Catou o menino pelos braços, entrou com ele pelo quintal, arrancou-lhe as roupas e o mergulhou no tanque de lavar roupas. Banho de água fria para aprender. E ralhava furiosa com o menino, que chorava aos berros. O escândalo foi tamanho que chamou atenção de toda a vizinhança.

- Não bate no menino que ele ainda é pequeno Rose.

- Não tô batendo Dona Maria, tô escovando, esse danado estava pulando nessa poça aí da rua.

- Jesus Maria José! Vai pegar verme!

Dona Rosemeri deu no pequeno um banho daqueles. Cinco ademãos de sabão de coco. Talco antisséptico em todas as esquinas.  Vestiu o menino com agasalho para diminuir a friagem. Penteou-lhe cuidadosamente o cabelo repartido ao meio. Na falta de um vermífugo deu ao pequeno uma boa colherada de Emulsão de Scot. Ao que o menino voltou a chorar. Quem foi criança na década de 80, ou antes, conhece bem o motivo do choro.

- Chora, chora mesmo Jorginho, mas vê se aprende – disse a mãe – Agora que quero ver você ir lá e pular naquela poça de novo.

O menino engoliu o choro assustado, acenou com a cabeça, saiu pelas portas dos fundos, atravessou o quintal, ganhou a rua e pulou obedientemente na poça.

 


 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional


domingo, 2 de maio de 2021

O Brasil Acabou


Senhoras e senhores, não foi só o Botafogo, o Brasil também acabou. Foi esta a conclusão de um concílio envolvendo a mais elevada casta da intelectualidade nacional. Crème de la crème da sociedade. Seleto grupo composto por frequentadores dos mais renomados botecos do tipo pé sujo, cu de fora e bunda pro alto do Rio de Janeiro e adjacências. 

Não confundam cu de fora e bunda pro alto. O boteco cu de fora é aquele onde o balcão é compartilhado, porém dentro do estabelecimento. Você entra, senta em um tamborete de costas pra rua e fica lá de boas sendo mal atendido e pagando cofrinho. O boteco bunda pro alto é só de meia porta, não tem como entrar. Você fica bebendo de pé do lado de fora, apoiado do balcão coma bunda pro alto. Normalmente o dono do bar, que também é o garçom, fica bebendo junto contigo e sai de vez em quando pra fritar qualquer coisa, porque ele também é o cozinheiro. 

Pé sujo todo mundo que se sujeita a ler essa coluna sabe muito bem o que é.

O encontro aconteceu em ambiente aberto e arejado cuja localização eu não posso revelar para evitar aglomerações. De antemão aviso que todas as medidas sanitárias foram tomadas, ou quase. Enfim a decisão não foi unânime, porém incontestável e taxativa. Sabe aquele Brasil que a gente gostava?

Acabou.

...

Pausa pra você tomar um ar.

...

Aquele Brasil onde eu frequentava um pagode lá em Pilares, churrasco na laje com Picanha. PI-CA-NHA malandro. Nesse tempo picanha custava vinte e oito e noventa na promoção. Morô? Cerveja do casco verde mané... E ficava eu e meu amigo Sid - o Sid além de preto é antropólogo e botafoguense, não tem como ser melhor – ficava eu e meu amigo Sid olhando pro Alemão... Aquele teleférico indo e vindo em cima das casinhas... E a gente falando:

- Oh que loko isso Sid.

- É inacreditável Lapinha.

- Saporra um dia vai dar merda...  não vai dar não Sid?

- Ah vai...

Deu.

E deu muito. Merdou geral acabou o Brasil.

Hoje tem que fazer conta pra comprar não é picanha não meu queridão, é o arroz.

O Brasil é um tipo de Karol Conka. Tava indo bem, no auge, bombando e tal... resolveu fazer uma merda na vida, tombou, acabou.  

- Ah Lapinha tá sendo pessimista... 

Malandro, queridão, meu chegado? Acorda, acabou. Tamo lascado.

Não sou eu, foi um colegiado das melhores mentes já produzidas pela humanidade que decidiu. – Ah mas eu não estava sabendo de encontro – Meu querido, se você não foi convidado... pensa aí. 

- Ah, mas se acabou faz o que agora?

Agora infelizmente não dá pra fazer nada meu camarada. O Brasil acabou tipo um peido no elevador. E estamos vivendo o instante pós peido. Não dá pra sair do elevador, ele não vai parar tão cedo. Aquele momento em nossas vidas que tudo o que a gente pode fazer é abanar o nariz e dizer – puta que pariu quem foi o filho da puta responsável por essa desgraça?

O fedor só aumenta, a gente não consegue respirar, é COVID, negacionista, terraplanita, golpista, miliciano, sectarista, fanático, torturador, fundamentalista, racista, boi tatá, assombração, gente que diz que a princesa Frozen vai voltar pra acordar a Bela adormecida num beijo sensual, mula sem cabeça, vampiro, o diabo a quatro.  Não dá pra achar o botão de emergência, o Belchior morreu, vou ficar no oitavo andar e tentar sobreviver meu camarada. Só isso só. Não dá pra fazer mais nada não.

- Ah mas e depois? 

Depois a gente faz como fez em 1989. Junta uma galera e funda um novo Brasil. Porque esse, esse não, aquele. Aaqueeeele Brasil lá que a gente tinha acabou.

Mas vê se chama só os pretos e os índios porque os brancos já fundaram esse país sete vezes e em todas elas deu merda. Desiste aí galera.

O Brasil acabou.

O Botafogo também.

O Vasco ainda não.

A esperança também não.

Vai sair todas aquelas tranqueiras da caixa de Pandora e vai ter a esperança lá no fundo. Disso você já sabe né? Mas não vá ficando animadinho porque a esperança também é uma desgraça. Caso contrário não estaria com essas más companhias. Tipo eu e o Sid lá em Pilares. Você não queira imaginar o tipo de gente que frequentava aquele pagode lá.

Mas a esperança taí. Preta, parda, mulata, amarela – Salve Emicida! Vamo ter que refazer do zero. Mas vamos refazer, e vai ser lindo. O novo sempre vem. Mas vamos parar de peidar aí gente, pelo amor. Coisa desagradável. 


 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional

Meu primo Célio

E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...