A menina Aline escolhe a roupa de domingo, azul. Pede para mãe colocar um laço da mesma cor no cabelo. Mede-se no espelho, sorri. Gira o corpo se divertindo com a barra do vestido. O irmão quer brincar:
- Não! Vai amassar minha roupa!
O menino se afasta - chata!
Ela senta no sofá. Pega o tablet e espera.
Na outra extremidade da rua, Daniel pega uma camisa. Não gosta. Experimenta outras duas. Decide reconsiderar a primeira. Está farto dela mas é a única que combina com a gravata azul. Olha-se no espelho, repara o grisalho, não gosta, mas gosta menos ainda da ideia de pintar. Dá dois passos para trás. A roupa está impecável. Lembra-se do desodorante. Se irrita. Desabotoa a camisa. Dá uma borrifada em cada sovaco. Recoloca a camisa. - amassou, mas que inferno! Troca a camisa, troca a gravata. Olha-se no espelho. Acha que ficou melhor que antes - foi Deus! A mulher já o esperava na sala. Pegou a chave do carro. Saíram.
No mesmo horário saía a menina Aline, os pais e o irmão. O trajeto era curto. Mas não o suficiente para evitar uma briga. Não se sabe se fora o menino o primeiro a chutar ou se Aline o tivera provocado antes. O fato é que terminou em laço de fita perdido e choradeira. Ao chegar na igreja a mãe refaz o penteado. O pai arrasta o menino para longe. Aline faz uma careta. O irmão debocha. Daniel e a esposa também chegam. Acomodam-se próximos a Aline. Na mesma linha de bancos, porém do lado oposto do corredor que divide o templo ao meio.
O culto começa. A menina faz a oração do jeito que a mãe ensinou. Tenta manter atenção mas logo o pensamento voa. Fica tecendo círculos com os pés soltos ao ar, ainda não alcançam o chão. Daniel acompanha a pregação. Com a Bíblia nas mãos hábeis de bom aluno da escola dominical confere cada referência citada pelo pastor.
Começam os cânticos. E a menina se reconecta à celebração. Canta junto. Troca olhares com a mãe. As duas sorrirem. Aline desce do banco num salto. A música falava de vitória. De conquistas. E de um Deus que honra seus compromissos. Outro hino. Desse a menina gosta mais que o primeiro. Fala de anjos que defendem um povo escolhido. A menina embarca na melodia, imagina um paraíso idílico com seres alados e animais divertidos. Quando dá por si está no corredor. Dançando. Feliz. Ela e os anjos. Brincando com a barra do vestido.
De repente o susto. Daniel havia se aproximado e tocado em seu ombro. A menina está sobressaltada como quem desperta de um sonho e dá de cara com um desconhecido. Daniel se agacha, olha com ternura nos olhos da criança e sussurra:
- Não pode dançar na igreja...
- Por quê?
- Jesus fica triste.