sábado, 27 de março de 2021

A primeira vez... Cês sabem... Não vou colocar um clichê no título


A crônica da semana passada me rendeu uma enxurrada de mensagens afirmando categoricamente que a melhor sardinha era a do Beco das Sardinhas, na Miguel Couto, centro do Rio. 

As divergências foram pouquíssimas, meia dúzia de vascaíno dizendo que a melhor sardinha é a do CADEG - puro clubismo - o Miguel e o Toquinho insistindo que a melhor é a do Mangue, inclusive se ofenderam por eu ter dito que "dava pro gasto" - pura verdade - e um colega que disse que sardinha boa de fato era servida num buteco bunda de fora lá no Jacarezinho que ele frequentava em 1984 com a turma do segundo ano científico. Como o estabelecimento fechou nunca poderemos atestar o fato.

Não faz muito meu feitio, mas nessa celeuma das sardinhas eu vou ficar com a maioria. A melhor sardinha é sim a servida no beco, O beco das sardinhas. Isso tem sim um fundo sentimental pois foi onde experimentei pela primeira vez a dupla sardinha e cerveja - perfeito né? Evento que poderia ser chamado de "porre original" ou "marco zero da boêmia", ocorrido no século passado quando motoboy chamava-se officeboy, andava de ônibus e usava Guia Rex.

Essa resenha me fez lembrar da primeira vez que tomei caldinho de mocotó. Olha, não me furto em dizer que foi um divisor de águas em minha vida. Lembro como se fosse ontem, lá em Vista Alegre, numa festa de rua já pela madrugada, eu na larica total escolhi o caldo pela cor. Voltei pra perguntar:

 - Moça que é isso? 

- É o quê?

- Isso que tô comendo?

- Mocotó meu filho.

Eu fiz minha mãe aprender a fazer, fiquei comendo todo sábado por semanas. Depois eu fiz ela me ensinar a fazer e confesso que até hoje eu não fico sem. Mas o da rua é sempre melhor. Vai entender. Hoje frequento um que vende ali na porta do Império. Sensacional.

Falando em porta de escola, vocês precisam conhecer o espetinho do Russo lá da Imperatriz. De boa, já frequentei churrascaria, restaurante de bacana (a convite) e tal... Mas carne, macia, com gosto de carne carne, carne a vera. Só a do Russo. Vai lá.

Seguindo nosso roteiro de comilança de subúrbio falta citar ainda a costela no bafo do Cachambi. A moela alcoolizada da Abolição. A rabada do buteco lá do viaduto de Pilares. Feijoada toda sexta. Daí vai ficar pra outra crônica porque feijoada de sexta-feira é assunto sério.

Seguindo no tema "primeira vez", lembrei aqui do cabrito assado da Ciça, lá da Maré. Cara que coisa! Na primeira vez que fui na Ciça o tiro tava comendo, tiveram que fechar as portas do bar e a gente ficou lá dentro sobrevivendo a base de cabrito e litrão de Brahma. 

O cabrito da Ciça desmancha na boca. É uma coisa colossal! Vem junto um arroz soltinho, batatinha assada e a cerveja está sempre gelada. Mano do céu que saudades da Ciça #vem vacina.

Essa página corre sério risco de deixar de ser um blog de conversa fiada para virar uma coluna de comilança. 


 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.

sábado, 20 de março de 2021

No meio de nós

Houve um tempo que eu batia ponto num boteco ao lado da Caprichosos, ali pertinho do viaduto de Pilares. Eles serviam uma rabada sensacional e a cerveja estava sempre gelada. Na próxima crônica eu falo sobre a gastronomia suburbana. Hoje vou dar outro papo. 

Vou contar o que me aconteceu quando neste botequim  em Pilares encontramo-nos debatendo sobre sardinha – Sardinha? – É, caro leitor, sardinha. Sardinha frita para tomar com cerveja. A gente é assim, tá biritando já planejando o acompanhamento da próxima biritagem. A isso chama-se produtividade, visão de futuro. Se você for muito, muito fresco pode chamar de “busines canvas”. A gente aqui estuda inglês também, só não sai por aí usando que nem trouxa.

Pois bem, já estávamos quase chegando ao consenso que sardinha boa era lá no Beco quando meu parceiro Miguel Kowalski Caccini - é isso mesmo, o malandro é polaco por parte de mãe e italiano por parte de pai, o nome disso é anarcocomunismo, o primeiro nome é de anjo para tentar limpar a barra. O Miguel vira e fala:

- Vocês não conhecem o Rio minha gente. Sardinha que mereça o nome só se consome lá no Mangue.

- Que mangue?

- No Mangue porram!

- Que mané mangue? Já tacaram fogo em tudo, virou tijolo parceiro. Aonde você tá achando esse mangue?

- No Fundão galera, o Mangue da Ilha do Fundão.

- Ah ou... Miguelito? Não mete esse caô, você vai querer botar o Fundão no mapa agora?

Miguel é funcionário da UFRJ morador da Ilha do Governador, vive convidando a gente para ir a Ilha. Se tem um bicho bairrista no Rio é o tal do insulano. Talvez perca para o tijucano, com a diferença que o tijucano é chato pra cacete. Contudo essa foi a primeira vez que o Miguel nos chamou para ir na ilha do lado, a do Fundão. Dos cachaceiros presentes eu fui o único a topar conhecer o tal “Mangue da Ilha do Fundão”, que a sardinha era “colossal”... sei. Vejamos.

Bati no trabalho do Miguel numa quinta-feira, como é praxe no Rio, bem depois da hora marcada. E nesse dia foi bem depois mesmo porque me perdi naquele inferno de ilha, cujas ruas são todas iguais e a gente entra e fica dando volta que nem peru tonto. Mas cheguei.

- Quer me matar de fome Lapinha?

- Pow bicho, não sei andar aqui não....

- Vamos ali que vou chamar um amigo. Ele vai lá tomar uma com a gente no Mangue.

- Já é.

Foi aí que eu entrei num lugar chamado Centro de Tecnologia, todo bonitão, laboratório disso, laboratório daquilo, laboratório que não sei nem ler a palavra. Um lugar meio que tipo NASA. Ou pelo menos parecido com a NASA para um cara que nem eu que fui criado pescando piaba no rio Inhomirim. As pessoas passando para lá e para cá com uma cara de gente muito inteligente que está resolvendo uma coisa muito tecnológica. Uns garoto novo, umas gatinhas também.

E eu lá pensando – esse povo nunca comeu uma sardinha gente, o que que eu vim fazer aqui? Daí nós chegamos numa entrada onde estava escrito “laboratório de fibra ótica”. Miguelito foi logo abrindo a porta. Eu fui entrando junto, estava um calor desgraçado e lá dentro tinha ar condicionado.

Malandro, que lugar maneiro! Tinha umas meia dúzia de vinte telas planas mostrando um monte de gráfico. Um emaranhado de fio pra todo lado. Tipo poste de favela, tá ligado? Só que os fios eram novos. Um monte de computador, um painel cheio de botão daqueles que você fica logo com vontade de apertar um só para ver que merda que vai dar. Ao fundo, uma sala na penumbra onde você via um feixe de luz brilhando entre duas placas de metal.

- Caralho Miguel, saporra é raio laser?

- É pow.

- Tá de Caô.

- Serião Lapinha é laser.

Cara... coisa que eu só tinha visto em filme, na moral. Daí o Miguelito chama:

- Simbora Toquinho.

E eis que do fundo do laboratório emergiu, não sei se de dentro de um computador daquele ou se diretamente do feixe de luz...

 

Pausa dramática.

 

UM ÍNDIO!

 

?

 

Saiu um índio gordinho com um par de óculos esquisitos do meio dos raio laser MANO DO CÉU!

Eu não tinha tomado nada eu juro. Fiquei com cara de paisagem. O Miguel foi quebrando o gelo:

- Aí Toquinho, meu parceiro Lapinha se amarrou no seu laboratório.

O índio era puta gente boa. E começou a falar da fibra ótica, dos elétrons dos caraioaquatro que transmitia dados na velocidade da luz e tal. Só que ele não falava assim mocorongo sabe? Tá ligado mcorongo? Nerdão. Não mesmo. O índio tinha sotaque de surfista do arpoador. Cês tão ligado no sotaque da Zona Sul? Sotaque de malandro que voa de asadelta? Parecia que tinham instalado o APP do Evandro Mesquita dentro do índio. Tô falando sério esse cara existe. 

Aquilo foi um tapa, dois tapas... Foi uma moqueta do Vitor Belfort bem no meio do quengo da minha cabeça tacanha e cheia de estereótipos. A prova de que essa gente diversa que compõe esse país é fenomenal, criativa que só. O lance é que o Brasil, oficial burlesco e caricato, detesta essa galera. Esse papo o Euclides da Cunha já mandou faz é tempo. Ou o Brasil se reconhece em sua pluralidade e se desenvolve junto com seu povo, ou a gente fica fingindo que é uma coisa que obviamente a gente não é. E continua na merda que tá. É claro que ele disse isso de forma muito mais elegante e erudita, mas daí você vai ter que ler Os Sertões. Recomendo.

Mas Lapinha e o índio?

Viramos grandes amigos. Ele está aí entre nós, para sempre. Você certamente já se o encontrou sem se dar conta em algumas de minhas crônicas. E vai continuar encontrando enquanto houver tinta na minha pena.

E a sardinha?

A sardinha dá pro gasto. Mas a cerveja vale. Tem corvina também.

sábado, 6 de março de 2021

Avenida Brasil


Ontem, por volta das cinco da tarde, estive preso em um engarrafamento naquela agulha da Avenida Brasil que dá acesso à Linha Amarela. A única coisa mais carregada que o trânsito era o clima, uma frente fria se aproximava do Rio. O céu estava a antítese daquela coisa wave do Tom Jobim. Um cinza tétrico encobria o Sumaré e o topo dos morros mais altos da Zona Norte, nuvem baixa, nuvem de chuva, e eu ali, preso naquele famoso ponto de alagamento.

 

Num dado momento uma ventania sinixtra veio trazendo poeira, folha seca, galho de árvore, sacola de plástico o escambau. Algum objeto bateu no vidro e desviou meu olhar. Neste momento pude notar uma moça muito magrinha que vendia coisas entre os carros lá perto do canteiro central.


 Em cada uma das mãos ela carregava um gancho daqueles de ambulante. Vocês estão ligados naqueles ganchos que os ambulantes penduram as coisas? Como chama aquilo? Baleiro? Acho que não. Mas vocês pegaram a visão né? Pois bem, vou chamar de gancho.

 

No braço esquerdo, erguido sobre os ombros, ela conduzia um gancho cheio daqueles pacotes de pele - sabe aqueles baconzitos genérico do saco transparente? Esse mesmo.


Do lado direito ela mantinha, com muita dificuldade, braço totalmente estendido, meio que se apoiando na coxa , um gancho cheio de balas - cês tão ligado que bala pesa né?

 

Já falei aqui que a moça era magrinha.  Olhos fundos, olhar perdido, o abdômen bem elevado. À primeira vista me pareceu que ela estivesse grávida. Mas sua postura curvada em nada me lembrava uma gestante, parecia uma moça bem doente. Andava arrastando os chinelos, cambaleando entre os carros, disputando espaço com as motos, oferecendo sua mercadoria.

 

Aconteceu que a moça emparelhou com uma SUV dessas enormes e bem cafona. O vidro baixou, uma senhora chamou a ambulante e perguntou alguma coisa. A vendedora respondeu, colocou os ganchos com a mercadoria no chão próximo do carro, pegou três pacotes de pele, entregou para dona no carro, pegou o dinheiro e agradeceu. Daí a SUV começou a andar e, antes que a ambulante pudesse reagir, a roda traseira passou por cima do gancho da vendedora – ESMAGOU MAIS DA METADE DOS PACOTES DE PELE MANO DO CÉU!

 

A ambulante parou desolada, ficou olhando a mercadoria espalhada pelo asfalto. O trânsito estava parado, ela poderia em poucos passos ir até a SUV cafona e queixar-se do ocorrido. Reivindicar seja lá o que fosse. Contudo ela ficou estática, olhar fixo no chão.

 

Depois de um tempo ela curvou-se, catou a mercadoria perdida e jogou no canto da avenida próximo a um bueiro. Arrumou o pouco que lhe restou no gancho, ergueu-se e continuou, como se nada tivesse ocorrido. O transito andou, a SUV cafona seguiu seu caminho. Ouvi uma buzina, o carro da frente tinha se afastado, engatei a primeira e segui também o meu. Avenida Brasil, altura de Manguinhos, cinco e pouca da tarde.


 


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Meu primo Célio

E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...