domingo, 2 de julho de 2017

Casamento

Era um desses feriadões em que os cariocas debandam para o interior do estado. Fui com um grupo de amigos para um sítio na verde Guapimirim. O caseiro nos recebeu com péssimo humor. Na realidade não era caseiro, era um sujeito que invadira o sítio  para plantar umas mudas de aipim. Dias depois descobrimos que o sujeito que nos alugara o sítio também era um invasor, o que nos tornava uma espécie de metainvasores. Mas isso é assunto para outra crônica, escrita talvez pelo INCRA.


O local era um pouco menos que modesto, porém adorável. Havia um fogão a lenha, um campinho para o futebol, uma cachoeira a poucos metros da soleira da porta e um singelo jardim de maria-sem-vergonhas sombreadas por enormes samambaias. Durante o dia as borboletas amarelas só não superavam em número as estrelas que ornavam o magnífico céu noturno. O mais iluminado céu noturno jamais visto pelos nossos olhos cariocas, acostumados com as lâmpadas vapor de sódio do subúrbio.


Num fim de tarde preguiçoso, quando o horizonte esboçava tons violáceos,  meu campadre Luciano e eu jogavamos duas dúzias de conversa fora. Estávamos fazendo fumaça para espantar os maruins quando, vindo da cachoeira, apareceu o Otelo. Otelo era um negão botafoguense e budista,  sujeito de riso fácil, mas que trazia a cara amarrada.


- O que houve meu amigo?


- Um absurdo Lapinha! Uma afronta, uma desonra!


Nós tentamos acalma-lo,  mas o sujeito estava indomável feito um siri enlatado. Praguejava, gesticulava e trazia os olhos mareados. Quem explicou a história toda foi o Natanael que veio da cachoeira minutos depois. Natanael era o maranhense mais maranhense da história. Contou que foi um pitu, malandro crustáceo de águas fluviais, que, sem autorização, mordera a bunda do Otelo.


- Mordeu?


- Mordeu e fugiu!


- A gente não pode admitir isso! Vai ter que casar.


- Vai ter que casar - repetimos em coro


Organizamos um grupo de busca. Otelo se animou. Dividiu as tarefas - você vai revirar as pedras, você arruma uma vara pra catucar as locas - dava ordens feito um sargento. A noite já tinha caído, Luciano arrancou a bateria do passat e improvisou uma lanterna com uma lâmpada incandescente. Entramos mata a dentro como um bando de jagunços furiosos.


Reviramos cada canto do Rio. Um grupo de cascudos juntou-se à nossas causa. Interrogamos os bagres, as piabas e duas traíras muito suspeitas .  Capituramos oito pitus e levamos ao Otelo para reconhecimento. Nenhum era o meliante. Uma rã falastrona se identificou como testemunha. Deu um longo depoimento, o relato tinha tantos detalhes que só serviu para tumultuar.


Quando perdermos a esperança de achar o pitu fujão fizemos uma conferência e decidimos exigir ao menos o pagamento do dote. Levamos da cachoeira uma penca de banana da terra e duas acarás. Para preservar a honra do Otelo colocamos uma pedra sobre o assunto.


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