domingo, 20 de junho de 2021

Meu amigo Vasco


Meu amigo Vasco é... botafoguense, ora vejam vocês. Como todo botafoguense ele é botafoguense doido, mas acometido de um tipo peculiar de doidice. Não é aquele doido, doido. É um doido tipo zen. Quando comuniquei a ele que o Botafogo tinha acabado ele se limitou dizer – a gente acaba mas renasce Lapinha. Quem conhece sabe que otimismo não é lá um adjetivo que se aplica aos botafoguenses.

Ele disse isso porque é budista. Mas  não do tipo mala vegano  mindfulness do Jardim Botânico via Praça São Salvador. Não mesmo. O Vasco, o botafoguense zen, é negão cria da baixada. Conheci Vasco num... pagode? Errrrrrrou! O Cara é Rock’n’rol sinistro. Aliás esse é a única característica mala dele. Pois toda pessoa que só ouve um gênero musical tem um quê de mala. Mas tudo bem, ninguém é perfeito.

Voltando ao Vasco, o botafoguense zen negão do rock, eu o conheci no Bar do Carlão. O Bar do Carlão existiu nos idos dos anos noventa. Ficava numa sobreloja da rodoviária de Piabetá do lado esquerdo de quem chega. É bom informar de que lado era, pois do lado oposto tinha um outro boteco com umas jukeboxes tocando Raça Negra, frequentado por cobradores, motoristas, auxiliares administrativos, farmacêuticos e senhoras rechonchudas pouco vestidas e muito maquiadas.  

O Bar do Carlão era bem mais sombrio que este. O pouco de luz que tinha era âmbar e se dissolvia no ar, que era um tanto... sólido. Havia um telão que ficava projetando os clipes das mais variadas bandas de Rock. De Pink Floyd a Nirvana, passando por Queen, The Clash, Pearl Jam e tudo mais. Rolava uns Blues de vez em quando, Rock Nacional e até uns Pop, desde que fosse no nível do Michael Jackson. Esse era o tempo áureo do videoclipe, não havia internet e ter uma coleção de VHS era o único jeito de consumir esse tipo de coisa se você estivesse de saco cheio dos VJ’s paulistas da MTV. Os trunfos do bar do Carlão eram seu rico acervo e sua brilhante curadoria, além da cerveja barata e sempre muito bem gelada. Pouca gente sabe mas há uma cena Rock bacana na Baixada Fluminense, com boas bandas locais. Frutos de lugares com o antigo Bar do Carlão, que sucumbiu ao advento da era digital.

Muitas foram as madrugadas gloriosas no Bar do Carlão, mas nenhuma delas se compara ao aniversário de vinte e um anos do Vasco. Aquilo é que foi comemoração! Um amigo nosso, cujo nome sou impedido judicialmente de citar, subiu na mesa ao som de “Like a Virgin”. Nunca mais o Carlão voltou a tocar Madona. Isso lhe custou uns clientes. Um outro colega iniciou uma banda de rock nesse dia. Nossa amiga Fabiana, professora de literatura, levou seu aluno nerd para uma Kombi estacionada na frente da rodoviária e explicou pra ele umas músicas do Willie Dixon que os Stones gravaram. E pelo visto ele aprendeu direitinho, pois ela saiu gritando aos quatro ventos - Eu peguei o gordinho! Gostosooo! Estão casados até hoje, têm três filhos e um gato chamado Mick. Nessa noite outros dois matrimônios se iniciaram e um total de cinco outros se desfizeram, dois dos quais de um mesmo sujeito.

 A gente estava de fato empenhado em acabar com a cerveja do bar. Lá pelas quatro da manhã cada um que levantava para ir ao banheiro, ao voltar, não achava mais a sua cadeira. O Carlão recolheu uma a uma. E a gente ficou ali bebendo de pé, porque bêbado não tem simancol. Cortaram o som, a gente ficou cantando e batucando na mesa. Mas aí sabe como é. Não dá pra fazer rock batucando na mesa... Em poucos minutos a gente estava cantando: Cheia de mania... Sabe que é gostosa... Dig Dig Dig ê... O Carlão trouxe meia dúzia de Brahma, colocou sobre a mesa e disse – A Saideira. Ao que a gente perguntou quem havia pedido e ele respondeu – EU!

Devidamente expulsos do Bar do Carlão a gente ficou vagando pelas ruas. Alguém deu a ideia de pegar o trem descendo para ir ver o sol nascer na praia. Eu não topei, pois a praia era muito longe e não ia dar tempo de eu levar o pão para a minha mãe fazer o desjejum antes de ir à igreja. Então pegamos o trem subindo e fomos parar na cachoeira acima da Bica da Rainha. Levamos uma garrafa de conhaque de excelente qualidade  adquirido no Cu da Mãe. Nos vimos em condição ideal para discutir Lacan e recitar Haroldo de Campos. Nessas mesmas águas o Vasco iniciaria um romance por conta de um crustáceo e um beliscão na bunda.


 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional




domingo, 6 de junho de 2021

Dissimulada

Quando eu estava no segundo grau (as crianças de hoje conhecem como ensino médio) a professora de literatura decidiu fazer um trabalho diferentão sobre o livro que estávamos lendo: Dom Casmurro. Talvez o mais famoso clássico de nossa literatura, obra prima do Bruxo do Cosme Velho, que era mulatinhou que nem eu.

Funcionava assim: seria organizado um julgamento da Capitu para decidir se ela pulou ou não pulou a cerca. Rolou um sorteio dos personagens, coube à Beatriz, patricinha da turma, interpretar a Capitu, achei adequado. O papel de Bentinho coube ao Fabio, grande goleiro do time de futsal campeão do intercolegial em 97 e 99, vice-campeão  em 98. Desse dia em diante Fabio passou a se chamar Boi. Charles Augusto, vulgo Amendoim, seria o juiz e assim por diante. Quem não ganhou um personagem compôs o júri. E aquele julgamento virou o assunto da escola.  

A este cronista coube o papel de promotor, ora vejam vocês. O time da promotoria tinha três integrantes. Além do Lapinha aqui, o grupo de acusadores era formado pelo Edson, cujo nome  na verdade era Everaldo, mas que a gente chamava Edson porque ele era de Edson Passos. Tremenda figura. Sabe o engraçadão da turma? Aquele que mal abre a boca e todo mundo já tá rindo? Pois é, esse era o Edson. A gente jurava que ele ia virar VJ da MTV ou personagem da Escolinha do Professor Raimundo. Mas hoje ele é tenente no 12° GBM-RJ, é a vida.

Completando o nosso  trio de ataque estava a Glória, Oh Glória..... Glorinha era a, com o perdão da palavra,  gostosona da turma. Quantos naquela escola não sonharam noites a fio com os caracóis dos cabelos da Glória? Quantos não se afogaram no navegar de ancas que era o andar de Glória? Glória, Glorinha.  Não se sabe o paradeiro dela hoje em dia. A última notícia que tivemos dizia que ela tinha se casado com uma cantora de carimbó e ido morar em Miracema, onde iniciou um negócio de queijo artesanal. Quem sabe?  

O “julgamento” seria no fim do semestre, ao longo do qual, fomos nos aprofundando na história. Ao término de uma aula, onde a professora descreveu o comportamento paranoico do Bentinho, o Edson virou pra mim e disse:

– Fudeu! A gente não ganha essa parada de jeito nenhum, a Capitu é na dela! O Bentinho é pirado!

Daí eu decidi fazer um curso expresso de direito. Duas disciplinas: 20 horas assistindo o Programa do Ratinho e um pouco mais de 2 horas assistindo “Advogado do Diabo” no Supercine. Aprendi rapidamente que eu não tinha que procurar a verdade. Eu precisava ganhar o júri. E a gente ia ganhar pelo entretenimento.

Foi o que fizemos no dia do julgamento, enquanto a acusação debatia trechos enfadonhos do romance, nós fizemos um espetáculo. O Edson levou o júri às lagrimas, de tanto rir obviamente. Um verdadeiro show de comédia, vocês hoje em dia chamam de stand up, hilário, inesquecível. A gente nunca voltou a rir tanto num único dia.

A Glorinha fez uma reconstituição dos crimes da Capitu, encenando brilhantemente num figurino clássico, com decotão e olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Impecável!. Foi aplaudida de pé pela turma, incluindo a professora, que acenou positivamente com a cabeça. 

Além de bolar essa estratégia marota, eu cuidei de interrogar as testemunhas. Inclusive o Escobar, ironicamente homônimo de seu personagem, principal testemunha da defesa, que fora devidamente subornado. Me custou um mês inteiro de Gummy e cerveja barata traficada do bar do João, lá do Cu da Mãe. Sim a gente era de menor e tomava uns gorós. Não façam isso crianças.

Resultado? 

Lavamos a égua. Capitu condenada por decisão unânime do júri. Mas... Sempre tem um mas. Mas eu assisti o Advogado do Diabo e não entendi nada. O filme é sobre poder e vaidade. O poder no caso de nossa turma era representado pela professora. Que é um ser humano tal como qualquer outro. E o ser humano invariavelmente tem vaidade. E a vaidade começa quando o diabo chega no ouvido e sopra: - Você vai deixar?

Aí malandro, não interessa o que está escrito no regimento, tampouco se é professora, juiz ou general do exército. A pessoa que exerce o poder não aceita perder. E vai decidir agir de acordo com suas inclinações morais, estéticas, políticas, ideológicas. Haja o que hajar – como se diz no Norte Fluminense.

A professora levantou-se e disse que ia entrar com um recurso. E entrou. E fez ela mesmo a defesa! E intimou a turma a mudar de ideia!! E o júri mudou o veredicto!!! DE FORMA UNÂNIME!!!

Nesse dia aprendi muito sobre a justiça.


 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional



Meu primo Célio

E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...