terça-feira, 14 de novembro de 2017

Tape o buraco

Outro dia eu estava viajando pela BR-110, no trecho entre Catu e Alagoinhas na Bahia. Uma localidade de mata verde e campos exuberantes onde a estrada serpenteia evitando as colinas. Nesta região há um céu cálido, sempre adornado com nuvens ligeiras que fazem fibrilar a luz azulada da Boa Terra. A pobreza das vilas que ladeiam a rodovia contrasta com a exuberância de recursos da região. Vez ou outra cai uma chuva de oito minutos e um cheiro mágico invade o ambiente como quem diz – Cê tá na Bahia nego!

Meu amigo Cícero, baiano do recôncavo, conduzia o carro e reclamava das condições da estrada:

- Oá pá isso, ó pá isso, é buraco véi... Bu-ra-co! O cara não tem condições de dirigir numa Bahia véia dessa não pae... Ó pa isso! Agora você vê... O cara...  Ter que escolher... O buraco... Que vai cair? ... Por que se pega no fundo ele se arromba todo... Aí o cara... Escolhe o raso... Que é pra ver se perde só um pneu... Tá entendendo? É pau viu!

- Não é mole não Cícero – Concordei.

- Você acredita Lapinha que outro dia... Eu fui parar em Feira de Santana por conta de uma suspensão quebrada? ... É o quÊ pae? ... Eu rodei foi tudo...   Catu...  Pojuca... Madre... E não tinha UM cara que desse jeito! Foram oito horas de relógio meu amigo... Oito horas andando de reboque nessa Bahia pra arranjar um cara que desse jeito numa suspensão dum prisma... Não tem condições um troço desses não pae!

Foi quando nos aproximamos de um trecho da estrada que estava em obras. Os operários instalavam placas de sinalização na beira do acostamento. O Cícero franziu a testa e disse com um ar consternado:

- Agora você vê Lapinha. Que trabalho sem futuro véi!!! Onde já se viu botar placa numa estrada dessa TO-DA FU-RADA rapaz?

Freou bruscamente o carro. Fui jogado com violência para frente e puxado de volta pelo cinto. O Cícero parou bem na frente de um operário e baixou o vidro:

- Ei! .... EEEEEEI... Cê tá pondo placa?

- É o quÊ?

- Você taí pondo placa?

- Não, eu tô é pescando. Você não tá vendo?

- Vá pra porra véi! Serviço sem futuro esse o seu. Uma estrada lascada dessa, toda furada e você aí pondo placa?

- Sim.

- E tá escrito o que aí? Cuidado com o buraco?

- Cuide de sua vida pae... Eu lá tô ligando pro que tá escrito.

- Pois não ponha placa não meu filho... Tape o buraco?

- Que que é pae?

- Tape o buraco. Não ponha a placa nãaaaao véi.

- Mas rapaz... Você não tem o que fazer não é?

- Tape a zorra do buraco meu amigo. Não ponha placa não... Adianta o que isso? Ó pa lá, é só buraco , tape essa zorra toda. Não ponha placa não vá.

- E você acha que tô aqui fazendo o que quero?  Não me aborreça não viu!

- Pois então... Já que tá aqui tape o buraco.

- Mas meu amigo... Eu tÔ aqui trabalhando...

- Então pae... Não ponha placa não...

- Cê quer que eu faça O quÊ?

- Oxente! Tape a zorra do buraco!

- Rapaz... O lance aqui é por placa...  Isso de buraco não é com a gente não...

- Que placa?... Pra que placa?...  

- E eu lá sei?

- Ó pra lá o buraco... E vocês aí pondo placa... Ó pra lá o buraco... Ó pra lá o cara se lascando to-di-nho lá pra passar com o caminhão... Tá Vendo? ... Adianta o que essa placa aí pae?

- Rapaz...

- Ponhaplacanãotapeoburaco!

- Má...

- Adianta o quÊ esse serviço de vocês?

- Quem sabe?

- Me diga você!

- Ah... Vá perguntar ao prefeito que mandou fazer zorra... Eu não tenho nada com isso não pae!

- Prefeito?

- Sim

- Pre-fei-to?

- SIMMM

- PRE-FEI-TO!?

Subiu o vidro e saiu cantando pneu. Resmungou por alguns minutos. Virou-se para mim e sentenciou:

- Agora você vê Lapinha... Toda vez que me lasco tem um porra dum político no meio.



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