terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Misto quente com ovo


Juan, Theo, Pedro e eu estávamos de viagem por uma das capitais brasileiras. Lá pelas cinco da tarde o expediente chegou ao fim. A lanchonete do largo parecia uma boa ideia.  Dezoito minutos depois de nos acomodarmos, veio o garçom:

GARÇOM: E aí meu rei. Vai querer O que?

Theo e Pedro foram de açaí. A maior tigela possível. Pedi um cupuaçu e um baurú – pela integração nacional. Mas O Juan foi... Ousado:

JUAN: Quero um misto quente com ovo.

GARÇOM: É o que?

JUAN: Misto quente, com ovo.

GARÇOM: Como assim?

JUAN: Misto quente... Com um ovo dentro.

GARÇOM: ...

JUAN: Misto quente amigo:

GARÇOM: Sim, item 118.

JUAN: Então, frita um ovo e coloca junto, qualquer coisa eu pago a diferença.

Doze minutos depois.

GARÇOM: O senhor quer um americano sem salada é isso?

JUAN: Hein?

GARÇOM: Item 136. Americano, só que sem salada.

JUAN: Amigo, não tem nada a ver. Eu só quero um misto quente.

GARÇOM: Sim

JUAN: Daí pede pra trazer um ovo frito junto.

GARÇOM: Mas aí não tem.

JUAN: Não tem o que?

GARÇOM: Isso.

JUAN: Misto quente?

GANÇOM: Misto quente tem.

JUAN: Não tem ovo na casa?

GARÇOM: Ovo até que tem...

JUAN: Então.

Nove minutos depois.

GARÇOM: Me pediram pra te perguntar se você não aceita um baurú igual ao do seu amigo, daí a gente tira a carne.

Juan: ...

LAPINHA (prevendo o advento de um palavrão): Meu camarada, olha só. O cara só quer um misto quente.

GARÇOM: Sim, item 118.

LAPINHA: Daí traz um ovo frito... Nem que seja num pratinho a parte.

GARÇOM: Ovo?

JUAN: É amigo ovo. Misto quente com ovo. Oooooo-V-O. Ovo.

Onze minutos depois, se aproxima o garçom acompanhado de um sujeito vestindo branco, com chapéu de cozinheiro e espátula na mão.

COZINHEIRO: Meu irmão... Eu tô cheio de pedido lá... dá pra decidir o que você quer?

JUAN: Misto quente com ovo.

COZINHEIRO: É um vegetariano sem peito de peru?

GARÇOM: É não homem. É um americano sem salada.

JUAN: Olha só.... – Respirou fundo, abaixou o tom de voz, quase sussurrando - Pão, queijo, presunto e ovo.

GARÇOM: Americano sem salada.

COZINHEIRO: É o que homem? É um vegetariano sem peito de peru ou um baurú sem carne.

PEDRO: Pelo amor de Deus gente. Pega duas fatias de pão de forma, no meio delas coloca queijo, coloca presunto, coloca um ovo frito e coloca o nome que vocês quiserem nessa caralha.

JUAN (olhando para o chão): Misto quente com ovo.

Quatorze minutos depois.

GERENTE: Boa noite senhores.

PEDRO, THEO, LAPINHA: Boa noite.

GERENTE. No caso esse pedid...

THEO: Olha aqui no cardápio amigo. Item... 118.

GERENTE: Misto quente

THEO: Então, pode ser?

GERENTE: Sim claro.

THEO: Daí o senhor poderia fazer uma grande gentileza pra gente.

GERENTE: Pois não.

 THEO: Peça pra fritarem um ovo e mandarem junto.

GERENTE: Ovo frito?

THEO/ PEDRO/ LAPINHA: Isso mesmo! / Prefeito. / Essa parada.

GERENTE: Pois não.

Trinta e dois minutos depois vieram duas tigelas de açaí, um suco de cupuaçu, um baurú, duas torradas e uma salada.




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quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A última melhor refeição do mundo ou eu não sei rezar direito


Estávamos há uma semana em expedição ao norte do Espírito Santo. Nossos turnos ora ardiam ao sol vespertino, ora atravessavam intermináveis madrugadas. Os dois últimos dias foram os mais intensos, Laurinho e eu revezámos uma soneca na boleia da caminhonete ente um algoritmo e outro. Foi quando o fiscal concebeu a ideia:

- Amanhã, ao término das operações, vamos almoçar como reis no restaurante do japonês.

Olhei ao redor. O campo a perder de vista, o gado pastando, meia dúzia de cavalos-de-pau, a mata ciliar no horizonte, enfim, a mais idílica paisagem rural.

- Cara, você tem certeza que a melhor coisa que servem por aqui é Sushi? Restaurante Japonês?

- Não Lapinha, é restaurante “do” Japonês. A comida é regional, o dono é que é japonês. O cardápio é imprevisível, esse depende do pescado do dia. Mas confiem em mim, vocês vão gostar.

No dia seguinte fomos recebidos pelo Japonês. De fato ele possuía feições nipônicas, mas o sotaque, a cordialidade e até mesmo a postura corporal, eram genuinamente capixabas. O restaurante era modesto, o atendimento excepcional. A hospitalidade do povo do interior às vezes nos faz sentir melhor do que em casa. Ele indagou o que gostaríamos de beber. Fazia um calor causticante. O Rivelino fez um olhar de consternação:

- E aí Lapinha?

- Tem certeza que vão deixar o carioca aqui decidir?

- Oxente!

- Seu Japonês, traz cerveja pra geral, por favor.

Ela veio sedutoramente gelada. Acompanhada de um caldinho de aratu cujo aroma nos arrebatou ao sétimo céu. Era só a entrada. Na sequência uma moqueca daquelas que traz sentido à expressão “estado do Espírito Santo”. O arroz branquinho, alho no ponto certo. Feijão mulatinho, delícia. Um pirão de um amarelo magnífico. Camarões, mariscos, lagostins. A lula macia, parecendo massa de semolina. A salada colorida encheria de orgulho qualquer nutricionista. O peixe de carne branca, tenro, cozido com exatidão oriental. O polvo ao vinagrete levemente apimentado era um charme. De quebra, fomos apresentados à muma de siri, uma iguaria.

Nossa companheira Alana, paulista, corpo esguio de maratonista, que normalmente come comedidas porções de passarinho, repetiu o almoço ao menos quatro vezes. Parecia um operário. Estávamos prontos para nos entregar à mais profunda leniência quando começou a vir a sobremesa. Um pudim de leite lisinho, outro de macadâmia. Compotas de goiaba, de araçá, de caju, doce de mamão verde, de abóbora com coco. Pra acompanhar, um queijo minas meia cura e um cafezinho recém-passado no coador de pano.

Ao sair coloquei a mão sobre o ombro do Japonês. A essa altura já éramos amigos de longa data:

- Muito Obrigado. Essa foi a melhor refeição que fiz na vida.

- Mas isso é coisa simples, pescada pela gente aqui do povoado mesmo.

O Freddie, único estrangeiro entre nós, ratificou:

- No meu trabalho tenho oportunidade de conhecer muitos lugares, em diversos países. Concordo com o Lapinha. Essa é a melhor refeição do mundo. 

O japonês agradeceu timidamente. Desconfiado, como bom caipira, achou graça do nosso entusiasmo. No caminho de volta fizemos o contorno no fim do vilarejo e avisamos o magnífico estuário que se forma na foz do Rio Doce. A exuberância da natureza explicou o caráter transcendental da comida preparada naquela região.

Agradeci a Deus por poder desfrutar tão intimamente dos produtos daquela terra. Pedi para que ele cuidasse daquele povo de cultura tão rica e confessei que desejava retornar ali por diversas vezes para cometer o pecado da gula. Hoje vendo na TV o mesmo estuário sepultado pela lama da mineração sou levado a reconhecer que não sei rezar direito.




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domingo, 15 de novembro de 2015

Lapinha na América



Eu tinha acabado de chegar ao Texas. A facilidade com que eu passei pela imigração me deu a sensação de que a minha cara de pau ia compensar o meu inglês macarrônico. Se bem que aquele sotaque do sul não ajudava em nada. Maldito Tex-english. Fui direto do aeroporto para o almoço, estava faminto.

Segui a indicação de um amigo e fui para um restaurante que prometia servir “o mais autêntico sabor sulista”. A ilustração em página dupla logo na contracapa do cardápio não deixava dúvidas sobre qual era o carro-chefe da casa, não tive dúvidas:

- A boss sirloin please!

- Yes sir. Rare, medium rare, well done…

Essa eu aprendi no IBEU, molezinha! Ele está perguntado o ponto da carne. Mal passado:

- Rare, please.

- Ok sir. Some entrées?

Quem foi que mudou o idioma do filme? O garçon tá falando francês gente! Se continuar assim vai dar ruim heim! Se bem que “entrées” é fácil de entender que é entrada. Graças as minhas idas ao Outback de Del Castilho não tive dúvidas sapequei um:

- Caesar salad please!

- Yes sir!

- Uhuuuuuu!

- Sorry sir.

- ...

- Aaaaaah, and the lunch side sir?

Ih deu ruim? Será que ele tá perguntando se tem alguém comigo... Alguém do meu lado...

- I’m alone.

- What?

- Puta que pariu!

- The lunch side sir. Apontou no cardápio.

Lunch side = acompanhamento do almoço. Ninguém me ensinou isso na praga do curso de inglês... Pra minha sorte li logo na primeira linha “french fries”. Foi como ler um bilhete premiado. Deus salve a batata frita! Por aqui chamada de batata francesa, french fries. Fiz cara de quem manja dos paranauês e mandei alto e em bom som:

- French fries.

- Yes sir. How do you like your fries sir?

Porra como assim como eu quero a minha barata frita! Tá de sacanagem né....

- How do I like MY fries?

- Yes Sir.

- French porra!

- What?

Esse garçom é retardado. Não é possível que meu sotaque seja tão ruim assim. Deve ser o primeiro dia dele. Até pensei em perguntar - It is your... - não, não -  Is it your frist d.. - ah, deixa pra lá...

- I want French Fries!

- Yes sir, but which kind?

Puta que pariu, aqui tem “tipo” de batata frita? Não faço ideia... Vou perguntar que tipo que tem...

- Could you please tell me what kinds do you serve here? – Mandei bem.

- Yes Sir… With 3#@hss cheese, alligator sauce, jambloishss corn, cheese huashitd, cheese jausias, cheese aiaiaai, 8%¨slam, ababababa, kosnros usa9sa,  xpto123, chicachicachica, Mickey mouse, moon side olive, chip octablions, hagatanga blue sky, blue ch@se, hi87$#@.

Aí fudeu pra mim… Vai ter tipo de batata frita assim lá puta queo pariu véio. E agora... Bem que ele poderia me sugerir uma:

- Please, which do you suggest to me?

- Well… The 3#@hss cheese, alligator sauce or kosnros usa9sa.

Mas esse garçom é um bom filha da puta. Custava sugerir uma coisa só? Bem, pelo menos reduziu as opções... Juro que eu o ouvi falando alguma coisa de jacaré...Será?  Não, não é possível... Se eu mandar um “repeat please” ele vai cuspir na comida... Já sei! Vou perguntar qual que vende mais:

- Which one is the top-selling?

- Well, the alligator sauce sir.

Gente! Não é que tinha batata frita de jacaré. Vai ver é esse o tal “mais autêntico sabor sulista”. Quero essa:

- So, the alligator one.

Enquanto ele anotava e antes que ele me fizesse outra pergunta, me antecipei e pedi um chope:

- And a draft beer, please.

- Which beer do you prefer Sir?

Qual cerveja eu prefiro!? Lá vamos nós de novo…


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terça-feira, 10 de novembro de 2015

Papo de Surdo e mudo ou sobre o porquê a educação não é a solução



Um dos indicadores da maturidade de uma democracia é a qualidade dos debates que ela fomenta. Neste quesito, os brasileiros estamos mal, muito mal, mal de verdade, bota mal nisso. Se tomarmos como parâmetro os debates nas redes sociais, aí malandragem , não há sete a um que baste, é vergonha homérica, colossal, amazônica.

Tem dias que as timelines parecem ter sido escritas pela corte que julgou Giordano Bruno. Como o brasileiro argumenta mal! Como fundamenta mal as suas ideias! As toma como coisa pessoal, posição imutável, clausula pétrea. Todavia não quero me ater ao conteúdo dos debates, o que mais me incomoda é a pobreza da argumentação. Os comentários carecem de embasamento, possuem lógica rudimentar – por vezes não possuem lógica alguma - são ignóbeis e em muitos casos repletos de preconceito e ódio. A capacidade de proferir veredictos sobre temas aos quais se desconhece em absoluto ou se possui parcas informações é, no mínimo, falta de humildade.

Na realidade o que ocorre, na maioria dos casos, não é um sequer um debate. É um confronto desesperado e violento de ideais que tentam sobreporem-se a todo custo. Papo de surdo e mudo, um grita, o outro não ouve e grita mais alto. Aprendi com o Professor Clovis de Barros Filho que a imposição ideológica é a antítese da liberdade e da democracia.

E não é questão de falta de educação ou de conhecimento. Conheço pessoas que colecionam títulos universitários e que, à luz de seu vasto conhecimento, são capazes de produzir comentários absolutamente tacanhos, virulentos, infecundos. Pessoas de bom coração, de vida honrosa, mas que na hora da resenha parecem ter tomado a fórmula do Dr. Henry Jekyll.

E nossas discussões seguem pobres, rasas e improdutivas. É assim no bar, nas empresas, nas escolas, no trânsito, na justiça, nas redes sociais, no Congresso Nacional (ordem decrescente de assertividade). É preciso aprender a debater. E para isso é imperativo aprender a ouvir. A gente está falando demais. E pior, falando palavras enlatadas. Disseminamos teses que adquirimos, muito bem industrializadas, na promoção de aniversário do supermercado. Afinal, preparar o próprio jantar dá um trabalho medonho.

Urge a necessidade de conhecermos a nós mesmos e aos outros. Dialogar com quem discordamos. Viver realidades alheias. Experimentar temperos novos. Sentir novos odores. Mergulhar em culturas desconhecidas. Sentar a mesa, brindar e conversar, famintos de mente e de coração. Não temer diante do novo, contudo tentar entendê-lo, disseca-lo, digeri-lo, vivencia-lo.  O brasileiro precisa encontrar o Brasil. Caravelas ao mar, já é tempo, velas ao vento.

Para não me acusarem de moderninho, invocarei os ideais antropofágicos do século passado. Há muito Thomas Hobbes sentenciou: o homem é o lobo do homem, é tempo de ressignificar esta máxima. Penso que o homem deveria ser o inventor do homem. Degustemo-nos. Nada é constante, exceto a mudança.

Meu primo Célio

E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...