domingo, 29 de outubro de 2023

Toti


Armando Antunes de Oliveira Toti, ou, para os íntimos, simplesmente Toti. Foi o paulistano mais carioca que já viveu por essas bandas. Eu tenho inúmeras razões para justificar esta afirmação. A principal é o fato de o Toti ser profundo conhecedor de cada caminho do Rio de Janeiro.

Eu não estou de brincadeira, ele conhece a cidade maravilhosa melhor que muito carioca por aí. Principalmente aqueles que habitam o Além Túnel.

Conheci o Toti na época que eu era office boy e toda manhã tomava uma média com pão na chapa em uma padaria que tinha ali nas cercanias da Dias da Cruz, quase chegando no Leão do Méier. Essa padaria já fechou, no local hoje acho que funciona uma Drogaria Venâncio.

Um dia eu estava pegando uma dica de como chegar numa daquelas vielas escondidas de Copacabana quando a Dona Neusa, que no caso era tia da padaria que fazia no nosso café, apontou para ele e disse:

- Pergunta pro Toti.

Pronto o Toti virou uma espécie de oráculo para mim.

Dois meus oito leitores frequentes, metade são jovens mancebos. E é a estes que eu me dirijo nos dois parágrafos abaixo:

Houve um tempo que não existia Waze, tampouco Google Maps. Daí a gente tinha que recorrer ao Guia REX para poder se deslocar por aí.

O Guia Rex era um calhamaço que ficava disponível gratuitamente em toda a agência dos correios, era atualizado anualmente e trazia todas as ruas da cidade. Indicando as linhas de ônibus que passavam por elas, as que passavam perto, se dava para ir de metrô, trem, barca, o escambau. Contudo o uso do Guia Rex exigia letramento avançado em cartografia, biblioteconomia e hermenêutica. O que fazia do Toti a opção mais acessível.

- Toti, sabe qual é essa Rua... “Marcílio Dias”?

- Isso é uma ruazinha de uma única quadra perto da Central do Brasil, ali atrás do quartel.

- O dois quatro Méiar passa lá?

- Vai de trem meu camarada! Essa hora tá tudo engarrafado.

Há alguns anos o Toti voltou para São Paulo e o Rio sem ele perdeu uma fração importante de sua poesia. O cara faz tanta falta que até virou verbo: totiar. 

Expressão que é utilizada de forma costumaz no idioma dos botecos do grande Méier e região da Leopoldina quando alguém precisa de uma informação com riqueza de detalhes:

- Meu camarada, você poderia totiar pra mim como se faz isso?

Ou ainda, quando uma pessoa está te contatando um caso com excesso de explicação você pode interpelar:

- Já entendi, não precisa ficar totiando tanto...

Recentemente um amigo foi a São Paulo da garoa e encontrou o Toti. Quando ele retornou me contou tristonho que por lá já não se vê garoa, então São Paulo é São Paulo só, sem garoa.

Mas a boa notícia é que o Toti, apesar de ter voltado para sua terra natal há muito tempo, continua chamando isquina de isquina e thiatro de thiatro. Ou seja, àquela fração de poesia carioca que eu achava que havia se perdido, na realidade está muito bem guardada na casa do Toti.


 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.

Foto: https://www.tupi.fm

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Dinastia

Eu entro em cada cilada que só vendo. Outro dia um amigo me pediu pra tomar conta de um peixe. Você leu certo. Um peixe! 

Te explico.

Esse meu camarada, o nome dele é Marcos, tem uma filhinha de 4 anos que ganhou um aquário com um peixinho vermelho de cauda azul chamado Charles. Como era de se esperar, a pequena se afeiçoou muito pelo bichinho.

Daí veio um feriadão e eles decidiram viajar para Madalena, cidadezinha do interior do Rio onde o pessoal gosta de ir para ficar olhando estrela à noite. O meu amigo Marcos achou então que seria mais seguro deixar um tutor responsável pelo peixinho Charles. Uma vez que se ele viesse a falecer, por fome ou excesso de temperatura no aquário, seria um desastre para a pobre criança.

Eu achei a história bonitinha e não me opus a ficar cuidando do peixe, afinal, que trabalho isso poderia me dar? 

Combinei tudo direitinho e eles deixaram o aquário lá em casa com duas instruções: manter a tampa fechada e alimentar com três bolinhas diárias – eles me deram também um pote com as tais bolinhas.

No primeiro dia que eu fui alimentar o Charles, me dei conta que as tais bolinhas eram minúsculas! Menores que um grão de mostarda. Achei uma muquiranagem dar só três míseras bolinhas para o peixe. Além do mais o Charles estava me olhando com uma carinha de fome.... dei logo umas trinta e oito bolinhas e fui à padaria comprar pão.

Quando eu voltei da padaria estava lá o Charles nadando de barriga para cima:

- Ei Charles véio de guerra! Tá com o buchinho, cheio mô fio!

Algumas horas depois eu olhei para o aquário novamente e estava lá o Charles na mesma posição. Só que dessa vez com uma expressão meio abobalhada e um olhar um tanto sem brilho.  Chamei a Maria:

-  Amor... vem aqui ver uma coisa...

Ela olhou e foi logo decretando:

- Morreu.

Esse tipo de notícia não se dá assim. Mas quem conhece a Maria sabe: ela é papo reto o tempo todo.

- Ao que parece morreu feliz. 

Fiquei ali imaginando como ia contar o caso para Marcos, e a menina tadinha... Depois de muito matutar eu tive uma brilhante ideia. Peguei o corpo do Charles, levei na loja de animais e perguntei para o atendente:

- Tem um igual?

- Morreu?

- Não... ele é atleta de apneia.

- Como?

- Morreu sim meu camarada, tem igual?

- Igual... igual não tem, mas tem parecido.

- Serve.

Peguei o peixinho novo, levei para casa e coloquei no mesmo aquário. A Maria quando viu olhou pra mim e disse:

- Esse é o Charles Segundo?

- É. Será que vão notar?

Ela ficou em silêncio. 

Dois dias depois achei que a casa de Charles Segundo estava um tanto suja.  Transferi o peixe para um balde e dei uma faxina caprichada no aquário – pelo menos do hardware eu ia cuidar bem. Arrumei a decoração e tudo mais. Ficou uma beleza.

Ao terminar eu olho para o balde... Cadê Charles Segundo?

Tava lá durinho no chão. O miserávi pulou do baldeeeee! Meu deus do céu me venderam um peixe suicida.

Voltei na loja de animais levando o cadáver de Charles Segundo:

- Então... o peixe que vocês me venderam morreu, vou querer outro.

- Vai comprar mais um?

- Nada disso, tem só dois dias que comprei, ainda tá na garantia...

Olha foi uma resenha. Essa parte não vou contar aqui porque envolve o uso de intimidação e palavras de baixo calão. Mas eu fiz valer meu direito de consumidor e peguei mais um peixinho.

Terminado o feriadão meus amigos foram lá em casa para pegar o aquário. A menina ficou toda feliz, mas o danado do Marcos olhou estranho para mim e disse:

- Tá crescidinho o Charles né Lapinha?

Ao que a minha patroa respondeu:

- Charles Terceiro.


 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.

Meu primo Célio

E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...