sábado, 20 de junho de 2015

O ermitão



Sentiu nojo de leite
asco da terra
ojeriza à sujeira.
Tinha repugnância à dor
pânico de cair
temor ao escárnio
Tinha aversão a compartilhar
medo do aprendizado
horror a brincadeiras
receio de fazer amigos
Escolheu não ser criança

Sentiu nojo do sexo
asco do suor
ojeriza ao desejo
Tinha repugnância aos relacionamentos
pânico de se decepcionar
temor às doenças venéreas
Tinha aversão à entrega
medo de confiar
horror à dependência
receio de ser traído
Escolheu não amar

Sentiu nojo da poeira
asco do desconhecido
ojeriza à estrada
Tinha repugnância ao exótico
pânico de ser surpreendido
temor de não ser aprovado
Tinha aversão à novidades
medo de viajar
horror à estrangeiros
receio de provar
Escolheu não conhecer

Sentiu nojo da comunidade
asco do fracasso
ojeriza a compartilhar
Tinha repugnância aos olhares
pânico de desconhecidos
temor da falência
Tinha aversão ao risco
medo de gente
horror à aglomerações
receio de ser assaltado
Escolheu não conviver

E eis que ao chegar da hora
a morte odiou a sua vida de tal forma
que decidiu jamais ceifa-la
E ele jaz, imaculado,
em sua concha original

sábado, 13 de junho de 2015

Ao Norte e ao Leste




Amigos, uma contusão infame nos tendões afastou-me temporariamente do mundo das letras. Mas não falemos de nossas auguras, não percamos esse tempo. Eis-me aqui de volta a brincar com as palavras. Numa semana repleta de alegria. Pois retomo o ofício e vivo a ansiedade de partir para a região onde o Brasil nasceu e se criou. Em breve estarei na contramão dos retirantes. Sinto-me como a raposa do príncipe.

Vou para a terra cujo coração é agudo, metafônico. Donde o vento é insistente, a nuvem passa ligeira e a água é sempre morna. Serei recebido por aromas, sons, sotaques e abraços. Amizade por lá é feito a jurema, que quando a água vai-se embora seca, mas não perece. Permanece, resiste, adormece e espera. E eis que ao cair da primeira gota, do primeiro sorriso, ainda tímido, escondido por de trás da porta do saguão, ela renasce. Verde, vibrante, luminosa, apaixonada. Que saudades da jurema!

Em breve sentirei o frescor do coentro, o pulso da zabumba e o ardor do sol, pimenta implacável. Vou saborear o caju, a mangaba e o cajá. Secarei a língua na aguardente para tornar a salivar no sal da carne, do camarão e da castanha. As manhãs serão feitas de queijo de coalho para que as tardes se derretam como manteiga, esparramada numa rede preguiçosa.

Lá os timbres são sempre graves, como o de Januário, pai de Luiz, o rei. Mas também sabem ser manhosos como o de Dorival. Terra de bravos varões, leões do norte, graciosas caboclas, mamelucos audazes e galegas determinadas. Olhos de Holanda, retos, sinceros. Gente austera, cuja dureza persiste até o segundo acorde do acordeom, às vezes até o primeiro.

Vou para a terra da luz – tudo aqui gosta de luz Lapinha, se não, não se cria– já diria o um sujeito sabido lá de João Pessoa. Conhecer o brilho intenso dos dias desta terra não exige muita sapiência, porém só os viajantes mais atentos percebem que a melhor luz se dá na madrugada. Seu Catulo era um gênio, não há sob o firmamento luar como esse. Há uma quantidade colossal de luz na noite do sertão. É o melhor lugar do mundo para ter insônia. O mar é sempre vasto, ora é feito dum azul ímpar, ora é verde cor de cana, ora é cinza como a tabatinga seca.

Meu coração não se aquieta dentro do peito, se aproxima a hora de eu rumar para lá.  Chegarei junto com os festejos de São João. E Antes que a meninada lá da Lapa venha me cobrar às dívidas de jogo, e os amigos de Del Castilho organizem o bota-fora, vou avisando que tudo isso é temporário. Por enquanto.

Meu primo Célio

E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...