A Ilha Grande
acordou numa manhã insistentemente chuvosa. Descemos preguiçosos para o café da
manhã na pousada. Os quitutes da farta mesa colonial tentavam, em vão, apaziguar
nossa melancolia. A mata atlântica, outrora verde e vibrante, encobria-se num véu
acinzentado, antiquado. Apenas a silhueta das palmeiras lembrava-nos, com
ironia londrina, de que ainda estávamos numa ilha tropical. Ao término do café
a chuva e meu mau humor engrossaram.
- É meu bem,
não vai rolar praia hoje.
Minha patroa,
principal incentivadora, já havia jogado a toalha. Olhei indignado para um
canto onde uma panela de barro jazia sobre um fogão a lenha.
- Vou
cozinhar.
- Quem bom,
meu amor! Teremos convidados?
Olhei para o
lado, dois sujeitos contemplavam a chuva, de longe dava para ouvir o seu tédio.
Resolvi intervir:
- Vocês
gostam de peixe?
- Como?
- Peixe.
Vocês comem peixe?
- Eu sim, ele
não é muito chegado...
- Mas eu como
de vez em quando – disse em sua defesa o outro rapaz.
- Pois então
vocês são nossos convidados. Vou fazer uma moqueca naquela panela ali.
- Beleza, a
gente compra a cerveja.
Nessas
andanças minha esposa já esboçava um sorriso. Sabe como é, ela conhece o
tempero do Lapinha...
- Meu amor –
fiz pose de macho alfa – vou pescar!
- Nessa
chuva?
- Vou vestir
meu agasalho.
Ao que me
parece minha audácia desagradou algum deus da chuva. Ao sair da pousada ela tornou-se
torrencial. Desci em direção à beira da praia, fui informado de que vendiam
pescado na foz de um riacho que cortava a vila. Lá encontrei um sujeito com uma
banquinha de peixes.
- Bom dia
senhor.
- Bom dia!
- O senhor
matou essas cavalas onde?
- Ali – com o
queixo, apontou um canto da enseada.
- E quando
foi?
- Ontem à
noite ué?
O tom dele me
fez acreditar que eu tinha feito alguma pergunta óbvia de mais. Escolhi um
peixe bem graúdo. Na quitanda, comprei os complementos da receita. A chuva só
aumentava. Retornei ensopado. Colhi pimenta e cheiro verde na horta da pousada.
Convidei toda família do dono, funcionários do estabelecimento. Troquei de
roupas. Acendi a lenha. A patroa havia picado todos os legumes e deixado a
cozinha feito àquelas de estúdio de televisão. Ela, então, pôs-se a bebericar
com nossos novos amigos, divagando algo sobre os efeitos de algum fenômeno
climático de nome esquisito. Hora do Lapinha por às mãos na massa.
Azeite fervendo
na panela de barro. Coloquei as cebolas. A chuva diminui, como se a natureza
quisesse ouvir o chiado da fritura. Ao refogado adicionei a tintura de urucum e
a pimenta dedo de moça cortada bem fininha. O aroma inebriou a cozinha, meus
convidados achegaram-se ao fogão.
- O que você
está fazendo?
- Moqueca ué –
a patroa respondeu por mim, toda prosa - toma aqui sua cerveja meu bem.
As férias de
verão deixam as esposas mais inclinadas aos paparicos.
Quando
acrescentei os tomates e os pimentões a chuva parou. Abriu-se uma clareira nas
nuvens. Alguém lá em cima queria espiar minhas panelas. Coloquei o peixe para
cozer no caldo dos legumes, um pouquinho de sal, limão. Piquei a salsa, o
coentro, a cebolinha. Tirei a panela do fogo, acrescentei as verduras, tapei.
Com a farinha fornecida pela dona da pousada engrossei o caldo da cabeça do
peixe. Fiz um pirão de encher minha mãe de orgulho, um arroz branquinho.
A mesa estava
posta e quando eu orgulhosamente apresentei a panela de barro aos meus
convidados. Acreditem em mim. Quando removi a tampa o aroma era tão fenomenal
que o céu despiu-se das nuvens e exibiu seu melhor biquíni azul.
O sujeito que
não era chegado a peixe, na primeira garfada parou para tirar uma foto do prato.
- Vou mandar
pro meu pai. Ele não vai acreditar que tô comendo peixe.
- Pensei que
você não gostava – disse o outro menino.
- Desse eu
gosto... E muito.
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