domingo, 29 de outubro de 2023
Toti
sexta-feira, 13 de outubro de 2023
Dinastia
Eu entro em cada cilada que só vendo. Outro dia um amigo me pediu pra tomar conta de um peixe. Você leu certo. Um peixe!
Te explico.
Esse meu camarada, o nome dele é Marcos, tem uma filhinha de 4 anos que ganhou um aquário com um peixinho vermelho de cauda azul chamado Charles. Como era de se esperar, a pequena se afeiçoou muito pelo bichinho.
Daí veio um feriadão e eles decidiram viajar para Madalena, cidadezinha do interior do Rio onde o pessoal gosta de ir para ficar olhando estrela à noite. O meu amigo Marcos achou então que seria mais seguro deixar um tutor responsável pelo peixinho Charles. Uma vez que se ele viesse a falecer, por fome ou excesso de temperatura no aquário, seria um desastre para a pobre criança.
Eu achei a história bonitinha e não me opus a ficar cuidando do peixe, afinal, que trabalho isso poderia me dar?
Combinei tudo direitinho e eles deixaram o aquário lá em casa com duas instruções: manter a tampa fechada e alimentar com três bolinhas diárias – eles me deram também um pote com as tais bolinhas.
No primeiro dia que eu fui alimentar o Charles, me dei conta que as tais bolinhas eram minúsculas! Menores que um grão de mostarda. Achei uma muquiranagem dar só três míseras bolinhas para o peixe. Além do mais o Charles estava me olhando com uma carinha de fome.... dei logo umas trinta e oito bolinhas e fui à padaria comprar pão.
Quando eu voltei da padaria estava lá o Charles nadando de barriga para cima:
- Ei Charles véio de guerra! Tá com o buchinho, cheio mô fio!
Algumas horas depois eu olhei para o aquário novamente e estava lá o Charles na mesma posição. Só que dessa vez com uma expressão meio abobalhada e um olhar um tanto sem brilho. Chamei a Maria:
- Amor... vem aqui ver uma coisa...
Ela olhou e foi logo decretando:
- Morreu.
Esse tipo de notícia não se dá assim. Mas quem conhece a Maria sabe: ela é papo reto o tempo todo.
- Ao que parece morreu feliz.
Fiquei ali imaginando como ia contar o caso para Marcos, e a menina tadinha... Depois de muito matutar eu tive uma brilhante ideia. Peguei o corpo do Charles, levei na loja de animais e perguntei para o atendente:
- Tem um igual?
- Morreu?
- Não... ele é atleta de apneia.
- Como?
- Morreu sim meu camarada, tem igual?
- Igual... igual não tem, mas tem parecido.
- Serve.
Peguei o peixinho novo, levei para casa e coloquei no mesmo aquário. A Maria quando viu olhou pra mim e disse:
- Esse é o Charles Segundo?
- É. Será que vão notar?
Ela ficou em silêncio.
Dois dias depois achei que a casa de Charles Segundo estava um tanto suja. Transferi o peixe para um balde e dei uma faxina caprichada no aquário – pelo menos do hardware eu ia cuidar bem. Arrumei a decoração e tudo mais. Ficou uma beleza.
Ao terminar eu olho para o balde... Cadê Charles Segundo?
Tava lá durinho no chão. O miserávi pulou do baldeeeee! Meu deus do céu me venderam um peixe suicida.
Voltei na loja de animais levando o cadáver de Charles Segundo:
- Então... o peixe que vocês me venderam morreu, vou querer outro.
- Vai comprar mais um?
- Nada disso, tem só dois dias que comprei, ainda tá na garantia...
Olha foi uma resenha. Essa parte não vou contar aqui porque envolve o uso de intimidação e palavras de baixo calão. Mas eu fiz valer meu direito de consumidor e peguei mais um peixinho.
Terminado o feriadão meus amigos foram lá em casa para pegar o aquário. A menina ficou toda feliz, mas o danado do Marcos olhou estranho para mim e disse:
- Tá crescidinho o Charles né Lapinha?
Ao que a minha patroa respondeu:
- Charles Terceiro.
quarta-feira, 6 de setembro de 2023
Temos um culpado
Juan e seus dois filhos não perdem uma única partida no Engenhão. Sempre no setor leste inferior, na vigésima fileira. Os três acomodam-se religiosamente da mesma forma. A caçula senta-se no meio, com a camisa oficial, número sete nas costas. O mais velho a esquerda da irmã, trajando a camisa preta de treino, toma o seu lugar ao lado de um jovem casal tijucano. Sim eles sempre estão lá na mesma posição. O tijucano é um cara bonachão, com dread bem trançado e uma tatuagem de Jesus Cristo negro cobrindo todo o braço esquerdo. Sua esposa, branquinha e de cabelos encaracolados, parece uma professora da educação infantil.
O lugar do Juan é a direita da filha. Ele sempre veste sua camisa retrô do Nilton Santos. Já ficou amigo do mageense que se senta ao seu lado. Um senhor idoso, preto e magrinho que usa a camisa do Tulio, àquela do seven-up. Toda partida o velho torcedor mageense leva um cavaquinho sob o suvaco. Ambos, o homem e o instrumento, aparentam a mesma idade.
A fileira de baixo invariavelmente é ocupada por grupo que freta uma van para vir de Volta Redonda ao Rio. E a de cima por uma turma de ex-alunos da escola técnica federal de química. E assim vai se formando a torcida do Botafogo.
Porém, na última semana, por causa de um problema na conexão com a internet, o Juan não conseguiu comprar os ingressos para o clássico com o Flamengo. Logo contra o arquirrival. Os meninos ficaram furiosos, o mais velho então, estava à beira de um colapso.
- Calma – tranquilizou o Juan – a gente vai proceder conforme vem dando certo nos jogos que a gente joga fora do Rio. Vamos ficar aqui neste sofá, sua irmã no meio, você de um lado, eu do outro.
- A mamãe não pode estar em casa.
- Eu sei, eu aviso pra ela, vai dar tudo certo.
A partida é na noite de sábado. O jogo se inicia com clima tenso e após dois, apenas DOIS minutos, Wesley, lateral do Flamengo, cruza uma bola na área e a defesa do Botafogo, num erro tosco, chuta contra o próprio patrimônio. Gol do Fla. Os meninos olham para o Juan, abobalhado com a garrafa verdinha da longnek paralisada no meio do caminho entre o braço do sofá e a sua boca.
- Pai!
- Quê.
- PAI!
- Que foi?
- Tá sem camisa pai... falou a menina choramingando
Juan notou o erro e saiu correndo para o guarda-roupas, revirou de um lado para o outro e nada de achar a camisa retrô do Nilton Santos. Ligou para a mulher. Ela, que estava num barzinho com as amigas da pós-graduação, deu uma enquadrada no malandro e disse que ele se virasse e não voltasse a ligar por um motivo desses.
Juan procurou mais uma vez no armário. Nada de encontrar. Lembrou-se da pilha de roupas que aguardavam para serem passadas no cantinho da área de serviço. Correu até lá. Derrubou a pilha de roupas no chão e enfim, achou a camisa retrô do Nilton Santos.
Foi o tempo do Juan sentar-se no sofá, terminar o gole na cerveja que havia sido suspenso no início do jogo. Bola no ataque do Fogão, a zaga do Flamengo desarma o Tiquinho Soares, mas a redonda sobra aos pés de Vitor Sá, que chuta sem chances de defesa para o goleiro adversário. Botafogo um, Flamengo também um. Os três comemoraram em êxtase.
A partida segue tensa. Agora estamos no segundo tempo, jogo pegado, porém morno, sem chances claras para ambos os lados. Uma barata entra voando na sala do Juan, as crianças começam uma gritaria.
- Pega! Pega! Mata! Mata!
Poucas coisas nesse mundo são mais apavorantes que uma imensa barata voadora. Num reflexo impensado, Juan tira a camisa retrô do Nilton Santos e num rodopio acerta o inseto que cai ao chão desnorteado. Uma pisada firme, um estalo nojento, está completo o serviço.
Enquanto, ainda sem camisa, o Juan com uma pá e uma vassoura recolhia o cadáver da barata, uma bola era lançada para o Bruno Henrique, o mais talentoso atacante do Flamengo. Veloz como uma flecha Bruno Henrique passa pelos defensores do Botafogo, e num lindo chute acerta o ângulo da meta alvinegra. Golaço do Fla. Daqueles que, de tão bonitos, merecem uma placa.
Botafogo 1, Flamengo 2.
As crianças se negam a olhar para o pai. Nada se ouvia, um silêncio sepulcral se instala na sala. Silêncio que só seria quebrado ao término da partida. Decretada a derrota do Botafogo o filho mais velho do Juan respira fundo e setencia:
- Barata filha da puta.
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domingo, 27 de agosto de 2023
Solomons
sábado, 8 de julho de 2023
Não conta lá em casa
Eu começo essa crônica pedindo encarecidamente para que não deixem essa história chegar lá no Cu da Mãe.
Para você que é novo nesta coluna, eu explico que o Cu da Mãe é um complexo de bares situado nas cercanias da estação ferroviária de Piabetá, a antepenúltima do ramal Inhomirim. Ambiente de ilibada reputação frequentado majoritariamente por trabalhadores do transporte público, garçons e chapeiros em fim de expediente, moças rechonchudas em trajes mínimos, cronistas e outros tipos de desajustados.
Como frequentador antigo eu tenho certas regalias, tais como ter a cerveja servida em copo americano, um luxo. Mas se alguma boca maldita for lá no Cu da Mãe para contar os fatos que aqui hei de narrar e, principalmente, dizer onde eu fui parar, temo imensamente pela manutenção de meu status social.
Acontece que, por uma sequência improvável e bizarra de eventos, eu fui parar em Orlando. Lá mesmo! Orlando City. Paraíso mundano das pessoas que compram produtos fora de moda no estrangeiro com objetivo único de: tirar onda. Seja nos corredores do shopping em Ribeirão Preto ou na fila da cantina da igreja em Uberaba.
Eu sei, você deve estar se perguntando como danado eu fui parar em Orlando. Pois até o momento da edição final deste texto eu não concebi explicação plausível. Apenas uma coisa é certa: Lapinha em Orlando é como uma vaca em cima de uma árvore. Explico, se você, caro leitor, um dia avistar uma vaca no topo de uma árvore tenha duas certezas: ela não chegou lá por meios próprios e, tampouco, há de ficar por muito tempo. Eu, por exemplo, já fui e voltei e você nem percebeu.
Quando eu visito destinos assim tão exóticos tenho o mal hábito de me empenhar em descobrir a alma do lugar. Nesta tarefa, confesso que Orlando talvez tenha sido o lugar que mais me deu trabalho. Meus dias lá se esvaíam entre meus dedos e eu sequer tinha um vislumbre. Definitivamente eu não entendia aquele lugar. Relutava bravamente ante à ideia de que a cidade inteira se resumia a um grande shopping a céu aberto.
A minha primeira pista encontrei numa manhã quando saí pra dar uma corridinha (agora que o pessoal do buteco vai acabar comigo) – Corridinha Lapa? – Mas esta é a questão. Passei correndo por um senhor pretinho bem velho, ele tinha um ombro mais erguido que o outro, o cabelo grisalho volumoso e as pernas desproporcionalmente longas. Enquanto ele usava um ancinho para, cuidadosamente, tirar as folhas secas de cima do gramado, ergueu os olhos em minha direção e disse:
- For what any misery are you running bro? – Algo como… - Por que miséra você tá correndo irmão?
Alguma coisa no sotaque... E, até mesmo no gestual dele, me lembrou que eu estava no sul da América do Norte. O mesmo Sul que deu ao mundo a maravilha do Blues.
No fim daquele dia eu achei um boteco dentro de um shopping (tisc!) com um quarteto de cordas mandando ver nas dissonâncias e demais acochambres, mas... Sei lá, não era a música, era o entorno. Talvez se fosse New Orleans, mas ali, naquele lugar, a canção me trouxe uma sensação de estar na festa certa com a roupa errada. Além do mais, eu já passei muito dos vinte e cinco anos, vocês sabem, eu também, um tango argentino me cai bem melhor que um blues.
Saindo deste boteco eu peguei um uber e o motorista veio puxar assunto comigo em espanhol. Se ele fosse do oriente médio iria puxar assunto em árabe. É assim a vida de um mulato feito eu no estrangeiro. Ocorre que tanto os árabes quanto os latinos ficam um bocado confusos quando eu digo que não compreendo o idioma – Como assim irmão! Qual foi? - Daí eu explico que sou brasileiro e um sorriso logo se abre:
- Brasileño han...
- Sí.
Daqui pra frente cabe ressaltar que eu não falo tampouco escrevo nada em espanhol. Então os diálogos serão transcritos da forma como eu acho que ouvi.
- Brasileño han...
- Si
- Yo soy de la Republica Dominicana. Caribeño papi!
- Legal!
Daí o motorista começou a cantar. Isso mesmo, cantar, do nada, do nadão:
- E tôdo passa, Tôdo passa, Tôdo paaaaaaaassará!
- Nelson Ned? – perguntei
- Si papi. El brasileño mas querido de todo el Caribe....
- Puta que pariu. Tá me zoando.
- Como? Soando?
- Jo quiz disser... no creo...
- Si... Mui amado.
Daí seguimos conversando sobre música. Provando a tese de que do “Bravo até a Terra do Fogo, desde que se tenha boa fé e fale devagar, todos se entendem”. Fui apresentado à música de Xiomara Fortuna e a Omar Alfanno, enquanto ele me explicava a influência da cultura musical brasileira no Caribe, de Milton Nascimento a Anitta.
- Que hermosa es esta Anitta heim, papi?
- Ela é demais. - Respondi
- E nos és solamente la sensualidad, la chica tiene mucho talento hannn?
- Siii...
- E Alezandre? Por onde anda Alezandre?
- Alezandre?
- Sí Alezandre Pires.
- Ah.... Gravou disco com seu Jorge.
- Quem?
- Su Jorge, Su Rorre... põe aí no google
- Escribe aquí
O cara me entregou o celular dele, que estava pareado com a multimídia do carro, coloquei pra tocar o show do Alexandre Pires com Seu Jorge: Irmãos.
Três acordes depois o meu amigo motorista pirou o cabeção – Como no pude haber conocido a esto Rorge? Papi de Dios!
E assim viemos, um dominicano e um brasileiro, ouvindo pagode ao longo da Palm Parckway boulevard. Quando estávamos quase chegando ao meu destino perguntei:
- Quanto tiempo estás em Orlando
- Nueve años.
- Usted já encontrou la alma deste lugar?
- Como?
- Usted entiendes este lugar?
- Orlando City?
- Si.
- Soft power papi! Los Estados Unidos inviesten RIOS de doláres en el cine. Aquí en Orlando, los turistas los devulven toda essa grana, com la debida adición. Y... lo hacen con gusto y felicidad!
domingo, 28 de maio de 2023
Coragem
sábado, 29 de abril de 2023
Pechincha
sábado, 15 de abril de 2023
Seiscentos e dez
domingo, 19 de março de 2023
Reencontro
domingo, 5 de março de 2023
Deus é brasileiro
domingo, 19 de fevereiro de 2023
Ricifi
Meu primo Célio
E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...
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Pela primeira vez neste século o Botafogo vive um momento de fato glorioso. Lidera o campeonato brasileiro desde as primeiras ro...
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