domingo, 5 de março de 2023

Deus é brasileiro


Meu amigo Juan me contou que no último fim de semana foi levar o filho adolescente para assistir o clássico Vasco e Botafogo no Maracanã. 

Até aí sem novidades. O Juan e o filho não perdem um único jogo do Botafogo no Rio. Todo botafoguense é Botafogo louco. Não existe botafoguense torcedor de final.

A novidade foi que o moleque pediu pra ir na torcida mista. Pois tinha combinado de encontrar a galera da escola. O Juan não gostou nada da ideia - torcida mista é uma tremenda roubada - mas acabou cedendo aos apelos do filho.

Um dia antes do jogo o filho do Juan perguntou se poderiam levar o Gael, amigo da escola e morador do mesmo edifício. O Gael vive mais na casa do Juan que em sua própria, então meu amigo não estranhou o pedido. Naquele mesmo dia ligou para a mãe do menino Gael pelo interfone do condomínio no intuito combinar os detalhes:

- Mas ele já está com o ingresso?

- Não, mas o padrinho dele vai encontrar com vocês lá na porta do estádio...

Você, caro leitor, se tiver mais de quarenta anos de idade, já percebeu que essa história não tem como dar certo, cilada. Mas vamos em frente, o Juan é otimista. 

Chegaram ao estádio com bastante antecedência, mas nada do padrinho do Gael dar o ar de sua graça. O local combinado pra o encontro era a parada de ônibus que fica em frente à entrada lateral da UERJ, bem ao lado do Maracanã. Famoso ponto de assaltos da cidade do Rio de Janeiro. O tempo passando, os meninos tensos, o Juan um tanto mais que tenso:

- E aí Gael?

- Tá chegando tio, ele disse que tá preso na radial.

- Pede pra ele compartilhar a localização no zap.

- Tá.

Cinco minutos depois

- Ele compartilhou?

- Sim tio, olha - mostrou o celular.

- Putamerda...

Estava longe.

Cinco minutos antes do início da partida o padrinho do Gael chega, dá uma meia parada no Honda fit 2008, porta traseira amassada, abaixa o vidro, entrega o ingresso, manda um - nós se vê por aí - e dá no pé. O Juan achou estranho mas, pelo avançado da hora, saiu arrastando os meninos para o Maraca. 

A partida já tinha sido iniciada, contudo ainda havia uma fila ziguezagueando para chegar as roletas de acesso. Lá se vai o tempo, e eles lá, avançando à passos de cágado. Quando estavam à poucos metros do portão, o Juan tem um insight:

- Gael? Você avisou para pro seu padrinho que a gente ia no setor "leste inferior"?

- Num sei tio, minha mãe que falou com ele.

- Deixa eu ver aqui.

Pegou o ingresso da mão do menino.

- Putaqueopariu! - Juan ficou imóvel por alguns segundos na fila.

- O quê houve pai...? - Perguntou o filho do Juan, testa franzida, olhar oscilando entre estranheza e desespero .

- Leste superior. O Gael está com "leste SU-PE-RI-OR". E a gente "leste inferior". Não foi  esse o combinado com os amigos da sua turma filho?

- Foi pai, "leste inferior", e agora?

- E agora fudeu.

- Quê?

- O Gael não vai poder entrar com a gente...

- Ah não, pai... Vamo deixar ele aqui então!

- Você tá doido cara? Ele de menor.

Foram pra o cantinho perto da última roleta a fim de não atrapalhar o fluxo. Juan pegou o celular e ligou para a mãe do Gael. A mulher, muito constrangida, pediu um caminhão de desculpas e disse que estava indo ao estádio buscar o menino.  No mais, só restava ao Juan e ao filho esperar e torcer para ao menos conseguirem assistir o segundo tempo da partida.

Os três ficaram ali humilhados e tristonhos. Encolhidos ao lado das roletas, vendo os últimos torcedores adentrarem ao estádio.

Foi quando apareceu um senhorzinho de idade, todo pretinho, pernas arcadas, camisa do Vasco, sobre a cabeça um boné que não podia-se distinguir se era azul ou verde. O pequeno homem cruzou a aglomeração e aproximou-se de forma cordial:

- Boa noite, vocês estão sem ingresso?

O Juan explicou toda a situação.

- Olha - disse o pequeno senhor - troca comigo. Eu estou sozinho e tenho leste inferior, você me dá o do menino, eu vou em cima, e vocês entram juntos.

Solução perfeita. Os meninos saltaram de alegria enquanto o Juan mandava um áudio triunfante para a mãe do Gael - não precisa mais vir, já resolvi aqui!

Quando passaram pela roleta o filho do Juan não pode conter as lágrimas:

- Agora eu acredito.

- Acredita em quê, filho?

- Em Deus. Eu não acreditava mas agora eu acredito.

- Ih alá, qual foi?

- Eu tava rezando...

- Nunca foi na igreja. Tava rezando como?

- Do meu jeito. Papo reto - enxugou as lágrimas com o dorso da mão  - papo reto, esse cara era um anjo. Um anjo negro. Um anjo enviado por Deus.

- Como que você sabe que ele era um anjo?

- Porque ele era vascaíno, se fosse botafoguense era Deus em pessoa. 




 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.

3 comentários:

  1. Em 2013, eu fui ao jogo das quartas de finais da libertadores ver o GALO (também fui a grande final). Comprei o ingresso de um cambista no primeiro dia de vendas, mas só peguei o ingresso minutos antes do jogo. Porém, somente com o ingresso em mãos, eu pude ver que estava escrito estudante. Era uma ingresso de meia, eu fiquei com medo de não conseguir entrar. Então, eu fiquei pensando que alguém poderia trocar comigo. Não passou 5 segundos, no meio da multidão, eu ouço um jovem falando com outros colega, que queria um ingresso no meu setor. Até hje não sei como escutei ele falando daquela distância no meio daquela muvuca. Eu me aproximei dele e disse que tinha um ingresso, mas era de estudante, ele disse que tinha carteirinha e poderia ser. O detalhe é que o dele era ingresso normal, não era meia. Entrei para o estádio e fiquei perto do gol e na lateral do campo, uma posição privilegiada. Uma posição perfeita para ver o São Victor defender um pênalti de perna esquerda aos 47 do segundo tempo. Deus e um Santo juntos fazendo a minha alegria naquele dia. Saudações Alvinegras.

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  2. O Filho do Juan tem razão...tô achando que esse senhor do ingresso é o mesmo que fez uma comentário nesse blog em 19/02/2023!!

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