quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Três passeios

Na minha vida de menino suburbano havia três tipos possíveis de passeio.

O primeiro era de cunho religioso: a Igreja da Penha. Pegávamos o trem e num instante chegávamos. Dos três passeios, este era o mais perto de casa. Meu pai sempre subia a pé a escadaria – um degrau pra cada dia do ano e ainda fico com dezessete de crédito – ele dizia. Mamãe e eu íamos de bondinho. Ao término da missa, momento esperado ansiosamente por minha pessoa nada religiosa, a gente saía para olhar a vista da Baía de Guanabara. Eu sempre levava meu binóculo do Rambo e ficava admirando os contornos sinuosos do local que anos depois, Eduardo Galeano, me definiria como sendo “a baía mais magnífica do mundo”. Ao fundo da Guanabara, a Serra dos Órgãos com o Dedo de Deus compõem uma moldura caprichosa à beleza do espelho d’água e suas ilhas, das quais se destaca a do Governador. Minha mãe contava que, com sorte, a gente conseguiria avistar um grupo de botos. Teve uma vez que todo mundo viu uma baleia, menos eu. No retorno a gente ainda passava pelo parque Shangai. Eu adorava o carrossel e a roda gigante. Nem por reza brava eu entrava no trem fantasma. Numa outra crônica eu explico o medo que tenho de gente morta.

O passeio número dois era chamado: praia mais Maracanã. A gente pegava o trem até a Central, depois um ônibus e enfim, chegava à praia. Dos três passeios este era o mais longe de casa. Meus pais normalmente não iam, era o passeio que eu fazia com os primos e minha tia. Meu pai me dava dinheiro para comprar mate e biscoito globo, eu achava aquilo caro e usava a grana pra comprar um joelho, que dá muito mais sustância. Meu primo mais velho me ensinava a pegar jacaré. À tarde, a gente ia ao Maracanã. As crianças tinham preferência na fila para compra do ingresso. Éramos erguidos e passados de mão em mão até a bilheteria. Comprávamos o ingresso e fazíamos o trajeto de volta sobre as cabeças dos cariocas até os pés de nossos responsáveis, que nos aguardavam calmamente num ponto de encontro estratégico. Em outra crônica eu tento explicar os anos oitenta. Éramos flamenguistas, mas a gente ia ver qualquer jogo. Vasco e Bangu, Fluminense e Grêmio, Botafogo e América, não importava o jogo, a gente ia ao Maracanã. É claro que quando tinha Flamengo era mais legal. Porém o estádio Mário Filho era sempre a atração principal.

O passeio número três era o meu favorito. A gente pegava o trem e ia até a estação de São Cristóvão – olha o Maracanã papai – eu dizia. Ele me respondia – sim meu filho, mas hoje a gente vai na Quinta. E como era divertido! Este era o passeio que eu fazia com meus pais, minha tia, meus primos, todo mundo ia. A gente fazia piquenique, soltava pipa e escorregava no morrinho usando um papelão como esqui. Depois a gente ia ver o macaco Tião no zoológico. Víamos os outros bichos também, mas o macaco Tião era o mais famoso. Por fim, nós visitávamos O Museu. Papai sempre me contava – o Imperador morava aqui meu filho, a Princesa Isabel também. E eu imaginava como seria morar numa casa tão grande, o pique-esconde ia demorar um tempão para acabar. A minha parte preferida era a sala onde tinha a ossada da baleia. Imagina só um bicho assim tão grande e eu não o tinha visto quando apareceu na baía.

O incêndio no Museu Nacional teve início no momento em que ir à Quinta tornou-se programa de suburbano brega. Eram raríssimos os roteiros turísticos oficiais que incluíam seu magnífico acervo no roteiro. Talvez se ele fosse instalado no Jardim Botânico ou no Parque Laje ainda existiria. Mas aqui no Além-túnel as coisas costumam ter uma importância menor.  A “baía mais magnífica do mundo”, por exemplo, foi convertida em fossa sanitária e a cidade virou as costas para ela com nojo de seus próprios dejetos. Quanto ao Maracanã, alguém teve a ideia de salva-lo europeizando suas arquibancadas e estabelecendo preços proibitivos aos seus ingressos. Agora, ao invés do barulho e alegria de cem mil assalariados, ele costuma receber meia dúzia de gatos pingados. Supostamente mais bem educados que seus antecessores.

Talvez os ares da idade estejam batendo a minha porta. Daí esta crônica triste e saudosista. O fato é que a carioquice, assim como o samba, agoniza. Nos últimos meses porém, tem agonizado mais que o de costume.


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