quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Bodocongó



Chuva fina, vento frio, cortante. Uma névoa espessa cobrindo o céu e o horizonte donde mal se podiam distinguir os edifícios. Assim a Paraíba me recebeu, no inverno de Campina Grande.

Fui recepcionado com pompas de poeta, logo eu. Levaram-me para jantar no “La Forneria”. Salão bem decorado, quadros renascentistas nas paredes, guardanapos de pano e o escambau. Tudo muito bem ornado com uma pegada moderninha, acabamento industrial, tijolos aparentes, pé direto elevado. Enfim, ambiente de deixar caído qualquer queixo barbudo de hipster.

Pois bem, enquanto eu descobria meu risoto com basílico, pinoli e tudo mais, deixei escapulir em voz alta um pensamento:

- Eu pensava mesmo em comer um bodezinho assado hoje...

- E é o que?

O estrago já estava feito, deixei fluir o sincericídio:

- Um bodezinho, uma carne de sol ... e no lugar desse vinho, que está ótimo por sinal, eu queria mesmo era essa cachaça boa que vocês fazem aqui na Paraíba.

- Então quer dizer que o poeta é da bagaceira?

- Ha ha ha.... - respondi com uma gargalhada

- Oxente! E eu aqui nessa frescura que nem gosto!?

            - Foi você que me trouxe aqui. Sofreu porque que quis.

- Sofreu um breu! Simbora que você tá é na Paraíba.

Perdemos a noite, mas ganhamos a madrugada. Urbana e fria, porém agora, estrelada. Num instante estávamos margeando o Açúde Velho com suas obras modernistas. Descemos a Vigário Calixto e adentramos ao “Bar na Volta”. Do presunto Parma e merlot para tripa e cachaça de Areia. Cachaça extremamente gelada, viscosa, como manda a tradição paraibana.

Dalí retornamos ao centro. O comércio da Rua Venâncio Neiva dormia tranquilo, nos permitindo observar o contorno delicado de seus sobrados em art nouveau, timidamente espremidos, entre letreiros e toldos de lona. Rodeamos a rua Marques do Herval onde a Praça da Bandeira é ornada por algarobas, poucos buritis e pelo evidente prédio azul do Colégio da Imaculada Conceição Damas. Nesta praça as barraquinhas fazem a alegria dos boêmios mais resitentes.

Seguimos vagando pela madrugada. No alto da rua Dom Pedro II, pense numa ladeira, avisa-se o Bodocongó. Com suas águas plácidas e arredores ajardinados. No meio do açude um único barquinho, à deriva na madrugada. Donde talvez, àquela hora, um casal de universitários era feliz perdidos com um remo só. Do outro lado do açude, atravessando o Campus da Universidade Estadual da Paraíba há um mirante, onde os românticos velam o sono da cidade.

Os primeiros raios de sol ganhavam o horizonte da Borborema e eu ainda declamava meus versos aos últimos notívagos.

- Simbora pra feira Lapinha.

- Fazer o quê?

- Tomar café da manhã ué?

- Na Feira?

- Você não queira comer bode?



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