O Brasil era
um país atrasado, racista, selvagem, violento, sem escolas, hospitais ou
qualquer tipo de serviço público decente. Enfim, um lugar de escravocratas,
analfabetos de hábitos toscos. Achou ruim? É por que não falei do Paraguai, um
lugar igualmente retrógrado, porém muito mais pobre. Muito de verdade, enquanto
a renda per capita média do brasileiro girava na casa de mil libras esterlinas
a do paraguaio não alcançava uma décima parte disso.
Ainda assim,
os paraguaios se achavam no direito de frequentar as praias brasileiras. Afinal
de contas as áreas de lazer por lá eram poucas, pra não dizer inexistentes. Não
possuíam rotas regulares para a Europa ou para a Disneylândia. Não tinham
cinemas, parques, teatros, ciclovias. Male, male uma várzea para uma pelada
aqui, um baile chamame acolá. Foi
quando aos poucos começaram a vir. A praia naquela época, antes dos
aterramentos, batia na altura da Rua Barata Ribeiro. Logo, eles saiam do metrô
praticamente com o pé na areia. Como não havia automóveis e os engarrafamentos
decorrentes, de 474 eles chegavam num instante. Ou seja, a invasão ao
território brasileiro se deu quase sem resistência.
Segundo o
IBGE, a população brasileira e sua região metropolitana, incluindo o Paraguai,
somavam quase treze milhões de habitantes. Imagine toda essa multidão querendo
estar no Arpoador em pleno domingo. Boa coisa não ia dar. Bastava um pisar na
anágua da mulher do outro, jogar areia na cartola do vizinho, pronto, confusão
na certa. Foi quando uns marginais paraguaios inventaram uma nova modalidade de
crime batizado de: meliantes correndo coletivamente, apavorando as pessoas e
roubando o máximo de pertences. Anos depois deram a este crime um nome mais
sucinto. O fato é que os caras tocaram o terror nas praias brasileiras. Não
eram boa gente, só conheciam a linguagem da violência, egocêntricos, bestiais.
Indignos de serem levados para a minha casa, ou para a sua.
Dom Pedro II,
que diziam ter luvas de veludo e mãos de ferro, foi logo declarando guerra ao
Paraguai. Pediu ao Almirante Barroso que bloqueasse os rios da Bacia do Prata,
pelos quais os paraguaios acessavam as nossas praias. A saber: Rio Rebouças,
Rio Santa Bárbara, Rio Túnel Novo e Rio Dois Irmãos (rebatizado Zuzu Angel
algum tempo depois). Também foi ordenado ao General Ozório que invadisse o
Paraguai e montasse uma base militar no Tuiuti, cerca de 300 Km da capital paraguaia,
ali perto do CADEG. O bloqueio deu certo, cerol fininho da Guarda Imperial,
ninguém com cara de paraguaio conseguia passar.
Segundo o Jornal Nacional, a política de ocupação pacificadora do
Paraguai estava dando certo. A paz voltou a reinar em nosso império tropical
abençoado por Deus e olímpico por natureza.
Mas sabe como
é essa raça de sul-americano, não reconhecem autoridade, são abusados,
ambiciosos. Usam para o mal, a inteligência desenvolvida pela vida sofrida. Não
todos eles, óbvio, mas uma minoria ardilosa, perigosa. Começaram a subornar um
guarda aqui, fazer acordos com o comandante de um pelotão acolá. E a guerra deflagrou-se
na região pantanosa Charco. Foram mais de dois anos de combate chafurdado na
lama, na cólera e no que há de pior na humanidade.
Dom Pedro
então enviou à guerra o seu melhor comandante, o Duque de Caxias. A tropa
brasileira era composta de civis mal treinados, a maioria deles escravos que
não tinham razão nenhuma para defender o império. Caxias conseguiu organizar o
exército, implantar disciplina e treinar a tropa em pleno campo de batalha.
Talvez o homem mais exemplar de quem você vai ouvir falar nesta história. Com
as tropas nas mão, ele iniciou uma campanha militar conhecida como dezembrada
que em um pouco mais de um mês dizimou o exército inimigo e tomou a capital do
Paraguai. Caveira meu capitão! Provou que quando há empenho do Estado não há
poder paralelo que resista.
O problema é
que o Dom Pedro insistia na captura do líder paraguaio - Solano Lopez. Que a essas alturas se
escondia nos confins do Paraguai. Lugares longínquos e desconhecidos como
Cavalcanti, Anchieta, Pavuna... Enfim, o Duque de Caxias queixava-se de que já
não mais havia exército paraguaio para combater e de que o pessoal dos direitos
humanos e ministério público estavam em seu cangote. Para preservar a sua
reputação e o seu nome em inúmeros municípios, praças e avenidas, decidiu
declinar do cargo de comandante do exército.
Dom Pedro
então escalou seu genro, playboy e faixa azul de jiu jitsu, o Conde d’Eu.
Motivado pela necessidade de autoafirmação perante os membros da corte que
faziam bullying com o seu nome francês legítimo, o Conde d’Eu liderou a
campanha mais vergonhosa da história do nosso exército. Marchou de cidade em
cidade no Paraguai massacrando civis, mulheres, crianças e idosos. Estima-se
que ao seu comando o exército brasileiro assassinou três de cada cinco
paraguaios. Em batalhas campais travadas na rua Dias da Rocha, paraguaios
suspeitos eram arrancados dos ônibus e executados. A barbárie ocorria diante de
velhinhas assustadas em seus apartamentos e de adolescentes eufóricos que da
janela bradavam: - crucifiquem, crucifiquem, crucifiquem! Lugarejos populosos
nos entornos de Madureira, Bonsucesso, Cachambi, Manguinhos, Irajá e até mesmo no
Méier e na Tijuca, foram varridos do mapa pela horda brasileira.
Na media que
o exército imperial avançava a idade penal dos opoentes paraguaios diminuía.
Dezoito, dezesseis, quatorze, doze, oito anos. Os brasileiros demonstraram ao
mundo o quão violentos sabem ser. A derradeira batalha ocorreu em Acosta Ñu,
nos confins de Sepetiba. Onde Solano Lopez foi morto ao lado do último
paraguaio, punido ainda no ventre de sua mãe. Ela tentara, em vão, proteger-se envolvida
numa bandeira francesa, liberté, égalité,
fraternité.