Ana Alice
saiu mais cedo do trabalho numa quarta-feira típica do outono carioca, céu
azul, mata brilhante, trânsito caótico. Havia prometido pegar o sobrinho na
escola para que a irmã pudesse ir ao dentista. Foi com o menino Gabriel à padaria
da Praça Lamartine Babo, na Tijuca. Comeram empadão de frango, o melhor do Rio,
beberam suco de laranja. Caminharam até o prédio na esquina da Gonzaga Bastos
com a Barão de Mesquita, onde Ana Alice residia no apartamento quatrocentos e
sete.
Tentou abrir a porta sem sucesso, a chave entrou, mas não girou. Insistiu, praguejou, sacudiu, nada. Foi quando reparou uma sombra sob a luminosidade na soleira da porta. Seu coração gelou. Deu um paço para traz.
- Tem gente aí tia?
Tentou abrir a porta sem sucesso, a chave entrou, mas não girou. Insistiu, praguejou, sacudiu, nada. Foi quando reparou uma sombra sob a luminosidade na soleira da porta. Seu coração gelou. Deu um paço para traz.
- Tem gente aí tia?
Pegou o menino
pelo braço e afastou-se assustada até o elevador. Olhou de novo para a porta. Percebeu
que, no susto, havia deixado o chaveiro na fechadura.
- Fica aqui
Gabriel.
Ao se
aproximar da porta pôde, nitidamente, ouvir uma voz masculina vinda de dentro
do apartamento. Desistiu da ideia de recuperar as chaves. Desceu pelas escadas
arrastando o garoto assustado. Chegou esbaforida na recepção.
- O que houve
Dona Alice? – Indagou Oscar, o porteiro.
- Entraram no
meu apartamento! Me ajude Seu Oscar! Chama a polícia.
- Não é
possível Dona Alice! Não passou ninguém diferente aqui pela portaria. Se
acalma.
- Pode ter
pulado aquele muro dos fundos Seu Oscar. Eu já avisei a síndica que a gente
tinha que colocar câmeras nesse prédio. Chama a polícia seu Oscar. Cadê o meu
celular? – Revirava nervosamente a bolsa, deixou o aparelho cair no chão. Com o
choque a tampa abriu projetando a bateria para um lado, o aparelho para outro.
– Ai Jesus!
- Calma Dona
Alice! Vou chamar o zelador e vou subir com a senhora.
Deixaram o
menino na recepção e subiram até o quarto andar. Ana Alice se recusou a sair do
elevador. Ficou na porta espiando de longe. Oscar apoiou a orelha na porta do
apartamento, não ouviu nada. Sacudiu a maçaneta, voltou andando para o
elevador.
- Onde mesmo
a senhora disse que deixou as chaves?
- Na porta,
seu Oscar.
- Não tem
chave nenhuma na porta Dona Alice...
- Ai Jesus! -
Num movimento abrupto puxou para dentro do elevador o porteiro, um senhor de
sessenta e dois anos. A porta fechou-se por traz dele.
- Que isso
Dona Alice!
- Pegaram a
minha chave seu Oscar. Estão lá dentro me esperando! Eu vou ligar para a
polícia.
A irmã de Ana
Alice, que tinha uma cópia da chave, chegou antes da dupla de policiais. Um
sargento gordalhão e um soldado incrivelmente alto e esguio. Pareciam uma
versão às avessas de Dom Quixote e Sancho Pança. Subiram todos, menos o menino
Gabriel, que ficou contrariado na recepção com o zelador. Por sinal, o sobrinho
era o único que estava adorando toda aquela aventura.
Abriram a porta com a chave da irmã de Ana
Alice. O apartamento estava intacto.
- Não há
sinais de invasão senhora – Disse o sargento.
- Mas
entraram moço. Eu vi. Entraram aqui.
- Eu não vi.
– Interviu o porteiro.
- Bem, se
entrou alguém saiu do jeito que entrou. E não levou nada. Tem alguém
perseguindo a senhora? – Perguntou o soldado.
- Ai Meu
Deus! – Ana Alice caiu em prantos.
- Calma Dona
Alice. Não passou ninguém pela portaria.
- Pularam o
muro seu Oscar. O povo daquele cortiço aí do lado é muito esquisito. Pularam o
muro. Ai meu Deus, o que eu faço?!
Tudo que os
policiais fizeram foi recomendar a troca do segredo da porta. Não quiseram
inspecionar o muro apesar dos protestos de Ana Alice. O chaveiro chegou cerca
de uma hora depois. Trocou o segredo e instalou uma fechadura extra. Faturou
duzentos e trinta reais. Isso sim foi um roubo.
Ana Alice foi
passar a noite na casa da irmã. Mal pregou os olhos teve pesadelos. Levantou
sobressaltada. Perambulou pelos cômodos. Pensou em voltar a fumar. Onde
conseguiria um cigarro de madrugada? Desistiu da ideia. Procurou bebida na
cozinha da irmã. Só achou chá verde e suco detox. – Chata natureba! – voltou
para cama improvisada no chão da sala. Passou a noite em claro.
No dia
seguinte foi direto para o trabalho. Uma agência imobiliária na Conde de
Bonfim. Convenceu um amigo a voltar com ela para vistoriar o apartamento na
hora do almoço. Ao chegarem ao prédio foram recebidos pelo outro porteiro:
- Bom dia,
seu Renan.
- Bom dia
Dona Alice. O morador do trezentos e sete achou esse chaveiro na porta dele
esta manhã. Por acaso é seu?
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.
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