domingo, 16 de maio de 2021

Beijaço



O Prefeito do Rio tá aí no twitter prometendo beijaço no fim do ano, visto que, segundo ele mesmo, todos os cariocas estarão vacinados nesta época. Longe de mim acreditar em promessa dessa gente, mas fica a torcida, não por ele né, pela vacinação. Acontece que, ouvindo esse papo furado, me bateu uma saudade do último beijaço que participei, lá se vai o tempo.

Pra vocês aí menines que não conhecem o termo beijaço, diz-se do evento onde você sai beijando indiscriminadamente quem vier a topar “haja o que hajar”, como se diz no Norte Fluminense. O meu derradeiro foi justamente num réveillon.  

Era eu um jovem universitário e fui convencido a passar o fim de ano numa cobertura da tia de alguém. Apartamento que diziam ser quase em Botafogo onde quase dava para ver os fogos de Copacabana. Mas que no fim das contas era quase no Catete e dava pra ver muito bem o apartamento do prédio horroroso que tinha bem em frente.

A cobertura era tão grande quanto velha. E era bem grande, um duplex. Duplex sempre dá problema, pior que isso só tríplex. Tirplex dá impeachment, Fiat Elba também. A festa tinha um buffet com umas comidinhas sofríveis provavelmente compradas em uma padaria de reputação duvidosa. A música era muito alta e mal equalizada. O banheiro era um horror, fizeram uma dedetização mas esqueceram de recolher as baratas mortas. O acesso ao banheiro se dava por um corredor onde havia um quarto alugado para uma senhora já um tanto senil e surda que abria a porta e olhava sinistramente toda vez que a gente passava – Na moral, dava medo de ir mijar.

- Mas o que tinha de bom nessa festa Lapinha?

Tinha nós. Tudo que nós tem é nós ué (eu soube disso antes do Emicida). Principalmente quando se é jovem, todo mundo bonito, sem um puto no bolso, mas com hormônio para dar e vender. Umas meninas maneira, todas lindas vestidas de réveillon, com umas cintura de gente nova, umas pele que nunca viram um renew. Uns cara engraçados, todos bonitões estufando o peito que nem ganso, não tinha um que fosse careca, um ou outro gordinho, uns gordo bonito com cara de bom vivant.

E também tinha... cerveja. Pausa para explicar uma coisa. Presta atenção. Era muita cerveja. Cerveja barata, óbvio. Eu nem conhecia cerveja cara nessa época e era muito feliz por isso. Mas era muita, era a produção mensal da Ambev para meia dúzia de gato pingado. Eu jamais voltaria a ver tanta cerveja junta na minha vida. E olha que eu já frequentei cada balbúrdia... Na boa, alguém errou muito na conta. Pegaram a nossa grana, economizaram no buffet zuado da padaria e no apartamento caído emprestado da tia, mas torraram tudo em cerveja. Era muita. Uma quantidade colossal de cerveja. Um absurdo. Era muita, muita cerveja. De verdade. Eu mal te conheço, mas eu sei que você nunca viu tanta cerveja junta porque era impossível juntar tanta cerveja assim para um evento. Acredite em mim.

- E daí Lapinha? Para de enrolar, já entendi que era muita cerveja. Fala do beijaço.

E daí caro Leitor que eu comecei a beber quando cheguei no evento, cheguei antes do pôr do sol porque disseram que ia ter piscina. Não vou comentar aqui o estado da piscina tá... Basta dizer que ninguém entrou. Nós fizemos a primeira "no pool" party do Rio de Janeiro. Enfim, cheguei cedo, comecei a beber igualmente cedo e muito antes da meia noite, tanto eu quanto os demais, já estávamos loucos e com dente quebrado. Quer dizer, com o dente quebrado só eu mesmo, mas louco todo mundo estava. Essa história do dente quebrado eu conto depois, já que você está interessado mesmo é no beijaço.

Ocorre que, quando se aproximava a hora da virada, o Leandro, que era o promotor do evento, abaixa o som pega o microfone e fala:

- Galera vamo indo pra Copa que daqui a pouco começa os fogos.

- Coroio mané, Copa é longe pra cacete.

- É logo ali pow.

- E as cerveja?

Pausa para eu te explicar, criança, que o tal do bêbado tem um compromisso moral com a cerveja. Não importa a quantidade, o bêbado só tem paz quando acaba a cerveja. Daí teve um princípio de confusão até que apareceu um isopor gigante. A gente encheu o isopor de cerveja e partiu rumo a Copa.

A ideia original era cada um carregar um pouquinho se revezando de par em par. Mas geral adiantou o passo e sobrou pra o Leandro, promoter da festa, o Robson, primo dele, o Ricardo, meu parceiro de curso e, obvio, esse cronista que vos fala. Daí já na altura de Botafogo, estávamos eu e meu parceiro Ricardo a carregar o tal do isopor, quando tive a brilhante ideia:

- Cadim...

- Qual foi Lapa?

- Vamo aliviar esse peso aí bro.

- Como?

- Vamos distribuir essa porra.

Ricardo, vulgo Cadim, muleque piranha de Olaria, olhou pro lado, vinha uma mina...

- Aew, quer cerveja?

- Quero - respondeu a moça.

- Então me beija.

Beijou.

E assim fomos nós, distribuindo cerveja e beijo pelo aterro do Flamengo, coisa linda de se ver. A gente beijou gatinha, baranga, patricinha, nem, tiazinha, vovó, mamãe com bebê no colo... quem quisesse cerveja a gente beijava. As vezes era um selinho tímido, as vezes era um beijão daqueles de cinema, era beijo de todo tipo. O Robson beijou até um cara.

- Corolho Robim, você tá ligado que acabou de beijar era um cara né?

- Tô sim Lapa. Beija benzão ele, bicho!

Vida que segue.

Com um tempo a gente se deu conta que naquele ritmo ia chegar em Copacabana dali a quatro réveillons. Fizemos sinal para um ônibus, lotado. Dispensamos aquele e pegamos o seguinte que estava só meio cheio. Entramos carregando aquele volume todo, geral no coletivo olhou pra nossa cara, eu anunciei.

- Senhoras e senhores passageiros, desculpa incomodar o silêncio de sua viagem, é que a  gente tá trazendo aqui a promoção da cerveja. É quase de graça, a gente está trocando por beijo. Beijou levou na promoção.

- Como é que é moreno? 

Me Perguntou a cobradora que era a cara da Alcione na foto de capa do LP “Alerta Geral” de 1978. Põe no gugou.

- Beijou levou - respondi. 

A danada desceu da cadeira, ajeitou a roupa,  me segurou pela nuca e me deu um beijo com o qual sonhei anos a fio. Não é que ela tirou meu ar... ela tirou meu espírito, amassou e devolveu. A galera do busão aplaudiu de pé. Ainda ganhei uma apalpada na bunda, não sei ao certo se foi a cobradora. Depois disso a gente distribuiu cerveja pra geral no ônibus. Na hora que a gente desceu até o motorista pegou três latinhas “para beber mais tarde”. Ele esperou a gente descer, fechou a porta, abriu uma, engatou a primeira e partiu.

Pegamos outro coletivo, só que no sentido oposto. Era para reabastecer o isopor. Ficamos nesse trajeto Copacabana x Catete distribuindo amor, cerveja e beijo, não sei muito bem por quanto tempo. Tem um lapso de memória aí.  

Lembro somente de acordar com um barulho de campainha tocando. Abri a porta era um garçom com uma bandeja.

- Seu sanduíche senhor.

- Sanduíche?

- O Senhor não pediu um misto quente?

- Misto?

- Esse não é o apartamento 405?

- Olhei para a porta... É... 405.

- Então. Um misto quente e uma coca-cola, apartamento 405 – disse o garçom mostrando uma comanda.

- Desculpa meu amigo... que lugar é esse?

- Como assim senhor?

- Onde que a gente está?

- Hotel Ibis Macaé, Senhor.

- MacaéÉÉÉÉÉÉ!!!



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6 comentários:

  1. 🤣🤣🤣🤣🤣👏👏👏👏👏

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  2. 🤣🤣🤣🤣🤣👏👏👏👏👏

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  3. 🤒🤣🤣🤣🤣
    Rindo muito!!!!
    Suas crônicas são a diversão do domingo elessadre!
    Bj Cláudia

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  4. Valeu garoto. Todo mundo já vivenciou algo parecido, mas só você é cronista para aguçar a curiosidade ao ler o texto. Abraços.

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