quarta-feira, 15 de abril de 2015

Pássaro Negro - Parte 1



Alexandre mal podia conter a ansiedade, andava sem rumo pela casa, não desgrudava do celular: - Esse tempo que não passa. Era uma sensação de inquietude ímpar, uma revoada de mariposas bem no meio do seu estômago. Tinha planejado cada detalhe daquela noite, cada gesto, cada passo, tudo muito bem premeditado. O coração mal cabia no peito, a boca seca, os joelhos frouxos. Os pensamentos o levaram tão longe que quando se deu conta já estava atrasado. 

Apressou-se no banho, caprichou no gel para moldar a cabeleira encaracolada, fitou seus  olhos lânguidos no espelho, as sobrancelhas grossas lembravam as do avô – São sinais de personalidade forte meu filho. Resolveu retirar o buço que há meses não engrossava a despeito das simpatias que haviam lhe ensinado. A pele queimada e a angulação no seio do nariz lhe davam ares de mouro. Vestiu-se de preto com de costume, mirou-se novamente no espelho.  Tinha um jeitão rústico inconsonante com o estilo grunje, todavia o ar despojado acentuava sua autenticidade, o avô tinha razão, gostou do que viu. 

- Vai chegar que horas menino?

- Cedo mãe.

- Sei, cedo para o café da manhã.

Todo sábado ele fazia a mesma piada infame e ela passava a noite em claro a espera do filho. Ser mãe de adolescente no Rio de Janeiro está longe de ser uma tarefa fácil. Beijou a mãe, fez festa com o cachorro, desceu as escadas e foi bater na casa do amigo Leandro. Eram amigos e vizinhos desde sempre talvez. Leandro se tornou um rapazola longilíneo, pele alva castigada pelo clima, cabelos dourados, olhos vívidos, assustados, aura de surfista, desatento. Atendeu a porta:

- Coé Xand, falou com ela?

- Coé Leandro, tá tudo certo, ela vai levar as amigas, daí vocês desenrolam. E o carro?

- Minha mãe emprestou.

- Emprestou o que? Aquele passat velh....

- O PÁSSARO NEGRO cara!

- Ahhh muleque agora sim! É nós!

- É, mas o Pedrinho vai ter que ir dirigindo.

Pedrinho era o mais velho da tríade, as mães confiavam nele embora não houvesse motivos para isso. Um perfeito finório, portador de um carisma invejável era capaz de vender qualquer coisa, principalmente a si mesmo. Sorriso fácil, ombros largos, boa pinta, olhava nos olhos: - Fica tranquila tia, eu tomo conta deles. Pronto, quem não se derretia? 

- Pedro toma cuidado com esse carro. – Advertiu a mãe do Leandro – é só pisar que ele voa longe. 

- tranquilo tia, já tenho dois anos de carteira. Cadê os moleques?

- Estão vindo ali.

Alexandre e Leandro adentravam a garagem do prédio. Ouviram menos de dez por cento das recomendações da pobre senhora. Entraram no carro:

- E aí Pedrinho?

- Coé Xandi? Cadê as amigas da sua mulé?

- Minha mulé é o carai. Tamo só ficando!

- Não mete esse caô, Leandro já entregou que você tá todo apaixonadinho.

- Esse viadinho está com ciúmes, tenho mulé nesse mundo não cara, sou muleque piranha!

É obvio que ele mentia, há muito não tirava Rafaela da cabeça. Conheceram-se no cursinho, ela se aproximara dele por interesses matemáticos, uma amiga o havia indicado:

 – Pergunta pra ele, maior nerd.

- Aquele ali com cara de boy? Não parece.

Ela foi, gostou da explicação, gostou mais ainda do jeitão de professor. Teve que se esforçar para fazê-lo entender que inventava todas aquelas dúvidas. Quando já estava desistindo ele lhe roubou um beijo. Ela roubou de volta. E assim seguiram com beijos apressados as escondidas do pai da moça, que marcava ponto na hora da saída. Rafaela era do Recife, os olhos de Holanda e o sorriso fácil não lhe negavam as origens. A metade da vida passada no Rio lhe roubara o sotaque, mas não os hábitos. O olhar dissimulado e as ancas proeminentes a faziam parecer mais velha. Convenceu o Alexandre a ir a uma vaquejada em Xerém, ele odiava música sertaneja, mas havia dito exatamente o oposto para a moça. 

- Como é que você está de grana Leandro?

- Minha mãe me deu cinquenta, e tu Xandi?

- Quarenta.

- Quarenta? Você tinha me dito que tinha sessenta!

- Comprei camisinha e essa Halls, servido?

- Caraca muleque!  Retrucou Pedrinho. - Vinte reais de camisinha! Vai pegar um time de vôlei inteiro?

 - Pô, melhor errar pelo excesso...

Na realidade ele tinha comprado um gibi do X-Man , mas preferiu omitir a informação. Pedrinho continuou:

- Excesso? Moleque se você conseguir pegar num peitinho hoje já tá de bom tamanho. Não tinha necessidade nenhuma de gastar vinte reais com camisinha. Tá pensando que você é quem? Hercules?

- E tu Pedrinho? Tem quanto?

- Calmaê...

Revirou a carteira, contou umas moedas.

- Vinte sete reais e cinco centavos.

- Vinte sete reais e cinco centavos!? Respondem em coro, Leandro e Alexandre.

- Pô galera, morando sozinho agora, tive que pagar a conta de luz...

Alexandre fez as contas, franziu a testa. - Cento e dezessete reais e cinco centavos, vai ter que dar...

8 comentários:

  1. Adorei saber sobre uma noitada de meninos... Interessante!!! :)
    Curiosa p mais....

    ResponderExcluir
  2. Adorei saber sobre uma noitada de meninos... Interessante!!! :)
    Curiosa p mais....

    ResponderExcluir
  3. Seu texto é uma delícia de ler!! Muito bom, Elessandre!! :)

    ResponderExcluir
  4. Adorei o texto! Voltei aos 17 e entrei no carro com os moleques... rs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pela opinião. Já estão disponíveis as partes 2 e 3.

      Excluir
    2. Obrigado pela opinião. Já estão disponíveis as partes 2 e 3.

      Excluir

Meu primo Célio

E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...