É curioso, mas do mundial de 86 eu não guardo memórias do pênalti perdido pelo Galo. Talvez minha cabeça rubro-negra sequer cogite a hipótese de registar que nosso maior jogador um dia possa ter falhado tão miseravelmente. Desta copa guardo duas lembranças. A primeira é da fúria que senti quando perdi num jogo de bafo a figurinha do Careca. A segunda vem da perplexidade dos adultos na sala ante o jogo Argentina e Inglaterra e da voz resoluta de meu tio Pedro:
- Não tem como ganhar desse cara.
Esse cara era Diego Armando Maradona. Neste momento voltei minha atenção para o jogo e nunca mais tirei. Pois menos de quatro minutos depois vi Maradona driblar um time inteiro e marcar o segundo gol. Desse dia em diante o colecionador de figurinhas tornou-se torcedor de futebol. O jogo seguinte, Argentina e Bélgica, transformou o torcedor de futebol em amante da técnica, do drible e da imprevisibilidade que só este jogo é capaz de produzir. O futebol nasceu em minha vida pelos pés de Maradona.
Quatro anos depois eu era o menino mais empolgado no mundo assistindo o Brasil e Argentina da copa da Itália. O gol do Caniggia decretou um silêncio sepulcral na sala quebrado somente pela minha declaração:
- Calma gente. Não tem como ganhar desse cara.
Ao que papai respondeu.
- Era o que me faltava, um filho argentino.
Papai não sabia que naquele momento eu não estava sendo argentino, eu estava sendo Maradona e fazendo aquilo que de mim não se esperava.
O que Dieguito fazia com pé esquerdo não se esperava que ninguém pudesse fazer, nem com o direito, nem com ambos. Quando se esperava respeito aos ingleses, ele lhes afanava a carteira e vencia. Quando nada esperava-se dos italianos do Sul, ele os fazia triunfar sob os narizes de Milão. Quando em 94 diante da vergonha, esperava-se silêncio e resignação, ele denunciava a ganância da FIFA, que impunha partidas ao sol do meio dia para garantir o horário nobre da TV europeia. Quando dele esperava-se um comportamento de ídolo, Maradona se entregava ao mais mundano dos vícios.
Vá com Deus Dom Diego. E obrigado por me ensinar, que nesse mundo frígido da austeridade e da tecnocracia, o sonho e a fantasia são as armas mais eficazes.
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Caramba cara!!
ResponderExcluirCurta como um drible de gênios, densa, completa, inteligente, emocionante. Exatamente como deve ficar o coração de quem lê suas estórias.
Vai deixar saudades! Um gênio do futebol!
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SuperFC > Copa 2018 > Crônicas da Copa
Crônicas da Copa
Para ler e ouvir: Siempre Maradona
Vinte e dois de junho de 1986. Tarde ensolarada na Cidade do México. Argentina e Inglaterra duelam pelas quartas de final da Copa. O Estádio Azteca, 20 anos depois de sua inauguração, vê o maior gol de todos os tempos
Para ler e ouvir: Siempre Maradona
Antes do antológico gol, Maradona pediu a mão de Deus emprestada para fazer 1 a 0 para a Argentina
Bruno Mateus | @SuperFC
12/06/18 - 08h04
Para você ler, ouvir e se inspirar
Playlist Maradoniana:
Depois de pedir emprestada a mão de Deus e fazer 1 a 0 no início do segundo tempo, Diego Armando Maradona, no campo de defesa, recebe a bola na fogueira e, astuto, se livra de dois ingleses ao mesmo tempo. O camisa 10, então, rompe a linha de cal que divide o campo, estufa o peito e sai em disparada. No lado direito do ataque argentino, Maradona avança impunemente e, com uma finta tão curta quanto obscena, entorta e quebra a costela de mais um adversário.
Impossível ser parado pelos brucutus ingleses, Diego carrega sobre seus ombros as glórias e as desgraças de um país inteiro, de uma Argentina que se reconstruía e se reerguia após uma sangrenta ditadura. As lembranças da Guerra das Malvinas, travada quatro anos antes entre os dois países, permeiam a história do jogo. Maradona, com um drible fatal, deixa Margaret Thatcher e Rafael Videla sentados no gramado do Estádio Azteca.
Caro Elessandre
ResponderExcluirVocê me transportou momentaneamente às saudosas Copas do Mundo e de nossas seleções de 82 (minha preferida) e de 86.
Eu tenho na memória o mesmo sentimento do seu tio, que definiu perfeitamente o gênio irrefreável do Dom Diego, fiquei absolutamente impactado, embasbacado e sem outra reação que não fosse a mais profunda admiração.
Belíssima crônica, curta e infalível, como um drible do Madadona!
Mais um texto foda demais meu amigo.cada dia mais inspirado e dessa vez com dose certa de acidez. Perfeito
ResponderExcluirE era isso mesmo, um duelo entre amar a técnica ou a camisa, submeter ou subverter, conformar ou enfrentar. Admirar pelas virtudes e entender humano pelas limitações. Sensacional!!
ResponderExcluir..mas eu não esqueço o pênalti do galo tá
ResponderExcluirKkkkkkk
ExcluirNão é um tema que me envolve emocionalmente, não era meu ídolo, pelo contrário, não sou da geração q transitava nesse universo futebolar,mas li e como não poderia deixar ser você me conectou a ele. Tái o poder de um bom texto: gerar conexão!
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