sábado, 23 de janeiro de 2021

O Botafogo não pode acabar

O único botequim que me resta nessa pandemia é um grupo de whatsapp (olha o nível) onde a gente fica comentando futebol e compartilhando imagens de pinturas do período renascentista.

É decadência que chama. 

O cara troca o buteco de Del Castilho, o pé sujo da rua do Senado, o latão do viaduto de Madureira, a roda de samba do Andaraí, a feira da Ribeira por: grupo de safadeza no Whatsapp. É o que temos por enquanto.

Pois essa semana, no meio de uma acalorada e inútil  discussão futebolística sobre rebaixamento no grupo do Whats (tsc), um amigo botafoguense me veio com essa:

- O Botafogo acabou.

Daí é aquele papo do: deixa disso... pode cair mas depois sobe... sei que lá, o escambau... O cara manda:

- O BOTAFOGO ACABOU.

Escreveu em caixa alta. Que descompensado!

No início eu fiz chacota, mas com o passar do tempo comecei a me preocupar. Não me entendam mal, o Lapinha aqui é flamenguista, os quatro leitores assíduos desse blog sabem muito bem, mas o fato é: se Botafogo acabar o Rio acaba. A gente não resiste a mais esse baque. 

Isso porque o Botafoguense é o torcedor mais divertido do futebol. Eles são absolutamente pirados. Qualquer time que se preze vai ter, em maior ou menor proporção, todo tipo de torcedor: o fanático, o relapso, o chato, o que só diz que é... Mas Botafogo não. Todo Botafogo é Botafogo doido. Ou como eles gostam de dizer, louco.

Uma das graças do futebol é a maneira absolutamente apaixonada e irracional que o botafoguense torce. O mais perto que cheguei de viver uma paixão assim tão louca foi em 92 quando, graças ao tráfico, consegui comprar a revista da Carla Marins. Uma conquista que a geração da internet é incapaz de ententer. Ah a Carla Marins... Passei meses achando que tudo de bom e de ruim que acontecia na minha vida era por conta da Carla Marins. O botafoguense é um tipo de adolescente futebolístico. 

Pra você ter uma ideia, conheço um botafoguense que não tem uma única peça de roupa vermelha, nem meia, nada. O motivo, nas palavras do próprio:

- Eu tenho um monte de roupa preta, vai que por descuido eu coloco a vermelha junto? Preto e vermelho jamais meu camarada. Nem sem querer.

Tem outro que é o seguinte: ele acredita que toda final que o Botafogo disputa ele precisa ouvir a narração pelo rádio, em casa, absolutamente sozinho. O Botafogo só ganha o título quando o maluco consegue fazer esse ritual. Daí eu pergunto:

- E por que você não faz isso toda final pra ganhar quinhentos títulos seguidos?

- Primeiro que o Botafogo custa a chegar na final. Segundo que quando chega eu até tento me isolar. Mas daí um filho da puta bate no meu portão... A mulher quebra a promessa e aparece em casa faltando 15 minutos pro fim do jogo... Um mulambo desgraçado me telefona...

- Telefona?

- É pow, eu tenho que ouvir a narração toda. Um telefone que toca e me distrai...

Tem um outro que assistiu todos os jogos do brasileiro de 95 pela Band, ao lado de um amigo italiano - O Marco - ele com a camisa do Juventus o italiano com a camisa do Botafogo. E, obviamente, só e somente só por conta disso, o Botafogo sagrou-se campeão. De lá pra cá o Marco mudou-se pra Quito, a Band parou de transmitir o campeonato brasileiro e, como vocês já podem deduzir, o Botafogo nunca mais ganhou o título nacional. 

Dizem que tem até um cara que colocou o nome da FILHA de Botafogo. Vai vendo...

Agora imaginem vocês eu viver sem botequim e sem essas figuras nesse Rio de Janeiro no rumo que tá. De jeito nenhum! Pelo pouco que resta de lirismo no Rio: o Botafogo não pode acabar. 


 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional

9 comentários:

  1. Concordo. Não pode acabar de jeito nenhum. Excelente Lapinha. Abraços.

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  2. Bem que os jogadores do Fogão podiam ler esta sua crônica...
    Abraços!

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  3. Mais uma excelente crônica, Lapinha. Continue esse ótimo trabalho e que Marco retorne ao Brasil e a Band volte a transmitir os jogos do brasileirão. Forte abraço. O Botafogo nao pode acabar!

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  4. Muito bom. Como flamenguista, me angustia muito o caminho para o qual o clube vai, pois o Flamengo pra ser grande como é precisa de rivais do mesmo nível. Eu adoraria ver uma reedição da final de 92 sem o Renato Gaúcho entregando a paçoca, por exemplo.
    Como admirador de futebol é vital o time de Nilton Santos, Garricha e Heleno de Freitas, entre outros, ter algum protagonismo esportivo.
    E, por fim, como mageense, o Botafogo povoou a minha imaginação futebolística. Fui criado no bairro vizinho da onde Garrincha nasceu, foi operário e depois um deus do futebol. Mas não apenas isso. Nas redondezas vivia (e acho que ainda vive) um senhor que era famoso por seu fanatismo pelo Botafogo. Andava sempre com a camisa do time em uma bicicleta alvinegro, só mudando de figurino em época de copa, quando ele trocava para a camisa da seleção (bem antes do sequestro da canarinho). Sempre com bandolim a tira colo, é uma figura folclórica da na região e que ajudou a formar minha ideia do que é o Botafogo.

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  5. Seu texto sempre emociona. Não tanto quânto a Carla Marina, claro

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  6. Como botafoguense afirmo: não pode acabar! 😉

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  7. Quem diria que o carioca Lapinha, conhecedor dos cafundós desse Rio de Janeiro e adjacências, iria buscar inspiração num grupo virtual que discute futebol e que admira o lirismo de imagens e vídeos renascentistas do SECULO XV. Mas é o que temos para hoje e ficou ótimo!!!
    Ah...eu fui pesquisar a Carla Marins...

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