domingo, 22 de setembro de 2024

Passinho


Em algum momento nos bailes dos anos noventa o mundo passou a girar em torno das duplas. Tinha dupla de Mc's e dupla de passinho. Nessa onda meu primo Celinho e eu montamos uma dupla de passinho. 

Não foi por amor a arte. Foi pra aumentar as nossas chances de pegar alguém no baile. Não vou ficar aqui mentindo pra você meu caro leitor. 

Pois bem. A tática consistia em durante a semana assistir com atenção ao programa da Furacão Dois Mil que passava na hora do almoço. Aprender os passinhos, ensaiar a tarde, fazer uns ajustes e mandar bem no baile de sábado no Grêmio Estrela de Raiz da Serra.

Modéstia a parte, a gente ficou bom nesse negócio. Ao ponto do DJ chamar a gente pra dançar nos bailes no Social Clube, Santa Cruz, Nova Campina, e até em Xerém. Numa dessas a gente conheceu o Bileu, moleque maneiro de Saracuruna.

Bileu dizia ter um primo que mandava uns passinhos no baile charme do viaduto de Madureira. Desde o dia que a gente descobriu isso não demos sossego ao coitado do Bileu até que ele nos levasse para Madureira. 

Pra você que não é do Rio, deixa eu explicar. O baile charme que acontece sob o  viaduto de Madureira é a Meca da cultura hip-hop do Brasil. Quiçá do hemisfério Sul. É o que há de mais nobre nesta cena.

Pois bem, um dia a gente marcou para ir na casa do primo do Bileu e de lá para o baile charme de Madureira. O primo do Bileu era um negão muito gente boa lá de Bento Ribeiro, subúrbio do Rio. A mãe dele fez um feijão espetacular para nos receber, foi uma tarde sensacional.

Já era noite, a gente arrumado para o baile,  quando o primo do Bileu virou e e disse: 

- Aí... Me mostra o passinho de vocês. 

E lá fomos nós.

O primo do Bileu  nos observou de soslaio:

- Pow... Maneiro 

Aquele "pow maneiro" só ia fazer sentido dali a algumas horas. Quando começou o baile de Madureira os passinhos dos caras eram tão outro patamar que sequer dava pra chamar nosso passinho de passinho. A gente ficou num canto amuado e sendo humilhado num nível que dói até hoje. 

O primo do Bileu de fato mandava muito bem, e teve muita paciência com a gente.  Voltamos em Madureira algumas vezes até aprender o suficiente pra arriscar fazer um passinho ou outro. Nunca fomos notáveis no baile do viaduto, mas quando voltamos pra Raiz da Serra... Bem, não vou ficar aqui me gabando.



 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.


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