sábado, 25 de maio de 2024

Aconteceu de novo


Há algum tempo atrás eu e a Maria éramos dois estudantes andando por aí de mochila nas costas feito hippies errantes. Numa dessas paragens, enquanto comíamos fígado com jiló num boteco, conhecemos um casal de São João Del Rei que nos levou para os arredores do Parque Estadual do Itacolomi, em Minas. 

Nesse caminho, ao pôr do sol, as montanhas fazem um contorno tão perfeitamente ondulado que você tem a nítida sensação da terra estar se movendo sob os seus pés. Um oceano cinza, branco e dourado. Eu já vi muita montanha por esse mundão de Deus. Mas essa é a única que insiste em não ficar parada. 

Voltando do parque, a gente parou em Ouro Preto.  Saímos da rodoviária rumo ao centro e passamos pela praça entre a igreja do Carmo e o Museu da Inconfidência. Notamos que estava sendo montado um palco e decidimos, de forma despretensiosa, parar por ali mesmo: - vamos ver o que vai rolar.

Bem... Começa o show e sobe ao palco ninguém mais, ninguém menos que Samuel Rosa e Lô Borges. E fazem um show absolutamente arrebatador pra uma praça repleta de um público apaixonado. Por traz do palco o museu, com seus contornos barrocos, trazia de soslaio uma imensa lua cheia clareando o contorno das nuvens magrelas que flutuavam entre estrelinhas timidamente mineiras.  Quando tudo parecia não ter como melhorar, eles chamam ao palco o MILTON NASCIMENTO e cantam a canção "para Lenon e Macartney" (põe no Google). 

Eu olhei para a lua, sobre aquela praça, naquela cidade, erguida naquelas montanhas de Minas.  A voz do Milton, as guitarras do Samuel e do Lô, uma banda incrível. A Maria ao meu lado, meus amigos de São João Del Rei se beijando.... Namoral... Eu tive a absoluta certeza de que eu não queria estar em nenhum outro lugar no cosmo naquele instante. Felicidade. 

Anos se passaram. Eu ainda sou meio hippie, a Maria um pouco mais que eu. Contudo já não somos assim tão errantes.  Essa semana foi aniversário do meu filho com a Maria. Na escola dele, eles fazem uma cerimônia bonitinha chamada "linha da vida".

Começa com a professora explicando que naquele dia há alguns anos atrás o menino saiu do ventre da mamãe e chegou ao mundo. Um mundo com muita água e alguns continentes. E dentre esses continentes ele chegou na América do Sul, e na América do Sul, no Brasil, e tal e coisa, coisa e tal, conta a história da vida da criança, canta parabéns com a turma, tchau. Bacana.

Nesse dia, depois da aula, peguei o pequeno na escola e seguimos pra casa. Paramos num sinal ali na Geremário Dantas, o menino vira e me diz:

- Papai... Eu sou da América do Sul 

- Eu sei filho.

- Não papai.... Eu sou da América do Sul. 

- Eu sei filho, eu sou também.

- Nãoooo papai... Olha... (Resolveu cantar)  Eu sou da América do Sul; Eu sei, vocês não vão saber; Mas agora sou cowboy; Sou do ouro, eu sou vocês; Sou o mundo, eu sou Minas GeeeEEEraissss...

(Silêncio)

- Papai....

(Silêncio) 

- Papai você tá chorando? 


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Um comentário:

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