Em algum momento nos bailes dos anos noventa o mundo passou a girar em torno das duplas. Tinha dupla de Mc's e dupla de passinho. Nessa onda meu primo Celinho e eu montamos uma dupla de passinho.
Não foi por amor a arte. Foi pra aumentar as nossas chances de pegar alguém no baile. Não vou ficar aqui mentindo pra você meu caro leitor.
Pois bem. A tática consistia em durante a semana assistir com atenção ao programa da Furacão Dois Mil que passava na hora do almoço. Aprender os passinhos, ensaiar a tarde, fazer uns ajustes e mandar bem no baile de sábado no Grêmio Estrela de Raiz da Serra.
Modéstia a parte, a gente ficou bom nesse negócio. Ao ponto do DJ chamar a gente pra dançar nos bailes no Social Clube, Santa Cruz, Nova Campina, e até em Xerém. Numa dessas a gente conheceu o Bileu, moleque maneiro de Saracuruna.
Bileu dizia ter um primo que mandava uns passinhos no baile charme do viaduto de Madureira. Desde o dia que a gente descobriu isso não demos sossego ao coitado do Bileu até que ele nos levasse para Madureira.
Pra você que não é do Rio, deixa eu explicar. O baile charme que acontece sob o viaduto de Madureira é a Meca da cultura hip-hop do Brasil. Quiçá do hemisfério Sul. É o que há de mais nobre nesta cena.
Pois bem, um dia a gente marcou para ir na casa do primo do Bileu e de lá para o baile charme de Madureira. O primo do Bileu era um negão muito gente boa lá de Bento Ribeiro, subúrbio do Rio. A mãe dele fez um feijão espetacular para nos receber, foi uma tarde sensacional.
Já era noite, a gente arrumado para o baile, quando o primo do Bileu virou e e disse:
- Aí... Me mostra o passinho de vocês.
E lá fomos nós.
O primo do Bileu nos observou de soslaio:
- Pow... Maneiro
Aquele "pow maneiro" só ia fazer sentido dali a algumas horas. Quando começou o baile de Madureira os passinhos dos caras eram tão outro patamar que sequer dava pra chamar nosso passinho de passinho. A gente ficou num canto amuado e sendo humilhado num nível que dói até hoje.
O primo do Bileu de fato mandava muito bem, e teve muita paciência com a gente. Voltamos em Madureira algumas vezes até aprender o suficiente pra arriscar fazer um passinho ou outro. Nunca fomos notáveis no baile do viaduto, mas quando voltamos pra Raiz da Serra... Bem, não vou ficar aqui me gabando.