Sobre a Incapacidade
latino-americana em organizar uma oposição democrática e eficaz.
- Porque nosotros somos machos
comandante! Seria o que o Gerineldo Márquez, caso ousasse dizer a verdade,
responderia ao coronel Aureliano Buendía quando fora questionado pela razão de
terem descido ao inferno naquela interminável guerra civil. O próprio Aureliano
tratou de dar cabo à guerra quando compreendeu que tudo não passava de pura
soberba e compulsão pelo poder – tudo é sobre sexo, exceto o sexo que é sobre
poder – já dizia o Xico Sá, que além de filósofo e poeta, é o homem vivo que
mais chegou perto de compreender a alma feminina.
Nós, o nosotros, neste cone
imperfeito que se convencionou chamar de América Latina - uma espécie de
subamérica, subdesenvolvida, subtropical, mas nem tanto – sofremos, na esfera
política, de uma dependência à imagem do caudilho, do salvador da pátria, do
cidadão acima de qualquer suspeita, que de maneira quase messiânica irá nos
tirar das trevas e nos elevar à luz do “bem estar social”. Daí surge as nossas
mazelas, os nossos sucessivos golpes e nossa incapacidade de passar uma geração
que seja sem uma mudança de regime. – Ora o ovo nos faz bem, ora nos faz mal...
Presidente algum, na história
recente dos Estados Unidos enfrentou uma oposição tão ferrenha quanto o atual.
Neste crepúsculo de seu mandato ele governa sem maioria nas duas casas do
legislativo. As correntes de oposição são variadas, algumas muito bem
fundamentadas que defendem um estado liberal, com intervenção e prestação de
serviços mínimos, política cujo mérito eu não irei discutir, mas que tem
funcionado, e muito bem, em alguns casos e para algumas das realidades na
América do Norte. Outras correntes abjetas vão deste o racismo explícito até o fanatismo
armamentista - Don’t mess the Tex! No
entanto, em nenhuma dessas correntes, das mais abomináveis às mais sensatas, ouve-se
falar em golpe, ou impeachment, ou coisa do tipo. Resultado de décadas de
regimes democráticos sucessivos, de instituições republicanas sólidas e
conscientes de seu papel organizacional e, sobretudo, de uma cultura que
aprendeu a diferenciar golpe de oposição. Tem ojeriza ao primeiro, sabe muito
bem como e não abre mão de fazer o segundo.
Pero acá jamás cabron! Levamos
nossas insatisfações ao extremo! Sacamos nossas peixeiras e perfuramos quantas
bexigas forem necessárias. Se a democracia já não nos farta, se nos constrange
feito uma amante envelhecida e rabugenta, derrubemo-la! Mas façamos com idealismo e com os
fundamentos mais convenientes. Afinal esse pobre povo é incapaz de dirimir pelo
seu próprio futuro, descamisados, incultos, incapazes de entender os meandres
da economia e da gestão pública. Nós, sabidos que somos, salvaremos o povo de
sua própria inépcia e do governo eleito por sua ignorância. Se preciso for,
faremos a revolução pelo fio da espada e pelo brandir de canhões, fomentados
pelo nosso designo divino de cidadãos
esclarecidos. Vamos erguer nossos Pinoches, nossos Fidéis, nossos Florianos,
nossos Hugos Chaves. Homens incorruptíveis de caras redondas, de peitos eretos e de
cabelos engomados repartidos ao meio. Encheremos nossas ruas de nobres soldados
que não pestanejarão ante as ordens de seus íntegros oficiais, fazendo o que
for preciso em nome da pátria, da família, dos bons costumes e do espírito latino-americano.
E quando a ditadura enfim mostrar
maior capacidade em sustentar o próprio ego que a economia, quando se sucederem
os desastres do endividamento decorrente das megalomanias, quando não mais se
puder regular o desenvolvimento por decretos. Iremos regurgitar histórias de prisões
sumárias de adolescentes da classe média, acusar o recolhimento de passaportes
de blogueiros (cadê o meu?) – Tiranos! Hacemos la democracia a sangre y fuego, camarada.
Vestiremos nossas velhas e empoeiradas casacas vermelhas, nossas máscaras de Guy Fawkes e devolveremos ao altar a santa descrita por Saramago.
Entregaremos ao povo o poder que jamais deveria ter saído de suas mãos. Faremos
nossos Collors, Nossos Kirchneres,
nossos Morales! Encheremos câmaras de Calheiros, Magalhães, Cunhas, Maias e
Astecas. Elegeremos sindicalistas, sociólogos e fazendeiros, com campanhas
muito bem financiadas por corporações conscientes de sua responsabilidade
social. Todos microcaudilhos ensimesmados em seus feudos, fazendo à sua maneira
a microrredenção do povo, cuja vontade deve ser reverenciada, ao menos no
discurso, até que venha o novo messias de costeletas bem aparadas, de olhar
austero, de discurso eloquente e voz de trovão.
Assim caminhamos
quase dois séculos oscilando entre democracias não representativas e ditaduras
não totalitárias. Sem nos dar conta de que a solução está no varejo, no pensar
coletivo e em compreender a nação como uma obra conjunta e não como um espólio
a ser esquartejado entre herdeiros egocêntricos. Não podemos escolher posição
política da mesma maneira que escolhemos o time de futebol, que defendemos
passionalmente a despeito de seu desempenho em campo e de o quão corrupta seja
a sua diretoria. Tão pouco “secar” o partido adversário fazendo a corrente do
quanto pior melhor. Urge a necessidade de amadurecermos politicamente,
precisamos aposentar o conceito de autoridade pública, isso não nos é útil e só
nos traz problemas. Precisamos de funcionários públicos, representantes
públicos, eles devem trabalhar para nós, pois pagamos seus volumosos salários. É
essa estrutura que caracteriza a exploração: você pagar o salário de alguém que
tem autoridade sobre você, o estado da maneira que se constituiu é nosso algoz,
isto é uma deturpação do conceito de democracia.
Por sua vez, o
estado serve a si próprio e aos seus sócios/financiadores e, enquanto isso, o
que se mantém constante no universo, além da mudança, são as mãos que manipulam
os cordéis dos fantoches, hábeis mãos de aves de rapina trazidas nas caravelas
e nos jatos executivos. Culpa de nossa sina de “a cada quinze anos esquecer os
quinze anos anteriores” (Ivan Lessa). Pra finalizar vou de Caetano que já era
baiano muito antes de eu nascer, Podres Poderes:
Será que nunca faremos se não confirmar
A incompetência da América católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos
Será, será que será, que será, que será
Será que esta minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir por mais zil anos
A incompetência da América católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos
Será, será que será, que será, que será
Será que esta minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir por mais zil anos
Melhor a cada crônica. Essa então, mais densa que hematita!
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