sábado, 14 de março de 2015

De Bolívar à Bolsonaro



Sobre a Incapacidade latino-americana em organizar uma oposição democrática e eficaz.

- Porque nosotros somos machos comandante! Seria o que o Gerineldo Márquez, caso ousasse dizer a verdade, responderia ao coronel Aureliano Buendía quando fora questionado pela razão de terem descido ao inferno naquela interminável guerra civil. O próprio Aureliano tratou de dar cabo à guerra quando compreendeu que tudo não passava de pura soberba e compulsão pelo poder – tudo é sobre sexo, exceto o sexo que é sobre poder – já dizia o Xico Sá, que além de filósofo e poeta, é o homem vivo que mais chegou perto de compreender a alma feminina.

Nós, o nosotros, neste cone imperfeito que se convencionou chamar de América Latina - uma espécie de subamérica, subdesenvolvida, subtropical, mas nem tanto – sofremos, na esfera política, de uma dependência à imagem do caudilho, do salvador da pátria, do cidadão acima de qualquer suspeita, que de maneira quase messiânica irá nos tirar das trevas e nos elevar à luz do “bem estar social”. Daí surge as nossas mazelas, os nossos sucessivos golpes e nossa incapacidade de passar uma geração que seja sem uma mudança de regime. – Ora o ovo nos faz bem, ora nos faz mal...

Presidente algum, na história recente dos Estados Unidos enfrentou uma oposição tão ferrenha quanto o atual. Neste crepúsculo de seu mandato ele governa sem maioria nas duas casas do legislativo. As correntes de oposição são variadas, algumas muito bem fundamentadas que defendem um estado liberal, com intervenção e prestação de serviços mínimos, política cujo mérito eu não irei discutir, mas que tem funcionado, e muito bem, em alguns casos e para algumas das realidades na América do Norte. Outras correntes abjetas vão deste o racismo explícito até o fanatismo armamentista - Don’t mess the Tex!  No entanto, em nenhuma dessas correntes, das mais abomináveis às mais sensatas, ouve-se falar em golpe, ou impeachment, ou coisa do tipo. Resultado de décadas de regimes democráticos sucessivos, de instituições republicanas sólidas e conscientes de seu papel organizacional e, sobretudo, de uma cultura que aprendeu a diferenciar golpe de oposição. Tem ojeriza ao primeiro, sabe muito bem como e não abre mão de fazer o segundo. 

Pero acá jamás cabron! Levamos nossas insatisfações ao extremo! Sacamos nossas peixeiras e perfuramos quantas bexigas forem necessárias. Se a democracia já não nos farta, se nos constrange feito uma amante envelhecida e rabugenta, derrubemo-la!  Mas façamos com idealismo e com os fundamentos mais convenientes. Afinal esse pobre povo é incapaz de dirimir pelo seu próprio futuro, descamisados, incultos, incapazes de entender os meandres da economia e da gestão pública. Nós, sabidos que somos, salvaremos o povo de sua própria inépcia e do governo eleito por sua ignorância. Se preciso for, faremos a revolução pelo fio da espada e pelo brandir de canhões, fomentados pelo nosso  designo divino de cidadãos esclarecidos. Vamos erguer nossos Pinoches, nossos Fidéis, nossos Florianos, nossos Hugos Chaves. Homens incorruptíveis de caras redondas, de peitos eretos e de cabelos engomados repartidos ao meio. Encheremos nossas ruas de nobres soldados que não pestanejarão ante as ordens de seus íntegros oficiais, fazendo o que for preciso em nome da pátria, da família, dos bons costumes e do espírito latino-americano.

E quando a ditadura enfim mostrar maior capacidade em sustentar o próprio ego que a economia, quando se sucederem os desastres do endividamento decorrente das megalomanias, quando não mais se puder regular o desenvolvimento por decretos. Iremos regurgitar histórias de prisões sumárias de adolescentes da classe média, acusar o recolhimento de passaportes de blogueiros (cadê o meu?) – Tiranos! Hacemos la democracia a sangre y fuego, camarada. Vestiremos nossas velhas e empoeiradas casacas vermelhas, nossas máscaras de Guy Fawkes e devolveremos ao altar a santa descrita por Saramago. Entregaremos ao povo o poder que jamais deveria ter saído de suas mãos. Faremos nossos  Collors, Nossos Kirchneres, nossos Morales! Encheremos câmaras de Calheiros, Magalhães, Cunhas, Maias e Astecas. Elegeremos sindicalistas, sociólogos e fazendeiros, com campanhas muito bem financiadas por corporações conscientes de sua responsabilidade social. Todos microcaudilhos ensimesmados em seus feudos, fazendo à sua maneira a microrredenção do povo, cuja vontade deve ser reverenciada, ao menos no discurso, até que venha o novo messias de costeletas bem aparadas, de olhar austero, de discurso eloquente e voz de trovão.

Assim caminhamos quase dois séculos oscilando entre democracias não representativas e ditaduras não totalitárias. Sem nos dar conta de que a solução está no varejo, no pensar coletivo e em compreender a nação como uma obra conjunta e não como um espólio a ser esquartejado entre herdeiros egocêntricos. Não podemos escolher posição política da mesma maneira que escolhemos o time de futebol, que defendemos passionalmente a despeito de seu desempenho em campo e de o quão corrupta seja a sua diretoria. Tão pouco “secar” o partido adversário fazendo a corrente do quanto pior melhor. Urge a necessidade de amadurecermos politicamente, precisamos aposentar o conceito de autoridade pública, isso não nos é útil e só nos traz problemas. Precisamos de funcionários públicos, representantes públicos, eles devem trabalhar para nós, pois pagamos seus volumosos salários. É essa estrutura que caracteriza a exploração: você pagar o salário de alguém que tem autoridade sobre você, o estado da maneira que se constituiu é nosso algoz, isto é uma deturpação do conceito de democracia. 

Por sua vez, o estado serve a si próprio e aos seus sócios/financiadores e, enquanto isso, o que se mantém constante no universo, além da mudança, são as mãos que manipulam os cordéis dos fantoches, hábeis mãos de aves de rapina trazidas nas caravelas e nos jatos executivos. Culpa de nossa sina de “a cada quinze anos esquecer os quinze anos anteriores” (Ivan Lessa). Pra finalizar vou de Caetano que já era baiano muito antes de eu nascer, Podres Poderes: 

Será que nunca faremos se não confirmar
A incompetência da América católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos
Será, será que será, que será, que será
Será que esta minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir por mais zil anos

Um comentário:

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