Era uma tarde ensolarada de uma
quarta-feira prosaica, meu sócio e eu vínhamos pela Rodovia do Coco rumo a
Salvador. Já havia passado uma hora do meio dia quando decidimos parar para o
almoço. Estacionamos perto de uma praia – um peixe até que não seria má ideia.
Sentamos à mesa, aproximou-se uma senhora com uma cesta de pescado.
- Esse vermelho está muito pequeno,
pelo preço deveria ser pelo menos deste tamanho – fez o gesto com a mão. Daí
iniciou-se uma resenha sobre a diminuição do tamanho dos peixes no norte da
Bahia e a crise financeira decorrente. Eu, que pela fome que sentia comeria até
um lambari, desde que viesse rápido, deixei esta negociação a cargo de meu
sócio. Ensimesmado, coloquei-me a observar a cidadezinha onde paramos.
Havia um largo à beira mar, uma
igrejinha de portas azuis, um umbuzeiro majestoso sob o qual jazia um barco
aparentemente abandonado. Foi aí que eles começaram a chegar, um a um, meninos
e meninas com uniformes escolares. Mochilas nas costas, canelas finas, calçados
russos pela poeira da estradinha de chão. Ocuparam o barco abandonado e os
bancos no entorno. Lembrei-me das reuniões com meus amigos antes das aulas, a
conversa descontraída, as brincadeiras...
Foi quando um deles, graveto na mão como se
fosse um maestro, ergueu-se sobre o barco: – Vamo lá negada! Bateu três vezes sobre a mesa do timão, os outros o
seguiram:
-
Tac thu tac thu tac thum! thu tac thu tac thum! thu tac thu tac thum!
Esqueçam os tamborins, atabaques,
surdos, pandeiros e tudo mais. As paredes daquele barco transformaram-se na
mais harmoniosa precursão que eu ouvira. Que sintonia! Que facilidade! Que
afinação! Eu quase não podia acreditar no que estava assistindo. A eles juntou-se
um grupo de meninas coreografando a bombordo, as meias até os joelhos, os
braços longos e desengonçados de recém-adolescentes.
-
Tac thu tac thu tac thum! thu tac thu tac thum! thu tac thu tac thum!
O vendedor de sorvete parou para
assistir, uma plateia de passarinhos amontoou-se nos fios, o mar e o vento aquietaram-se,
todos espectadores daquele fabuloso espetáculo.
Um mulatinho bonachão de sobrancelhas
grossas pôs-se a cantar – Pobre Rosinha
de Chica, Que era bonita Agora parece Que endoideceu... Um barítono afinadíssimo
de um volume que superava, em muito, o som dos batuques. Uma potência
incompatível tanto com a sua idade quanto com o seu tamanho.
O tempo enfim mudou de compasso. Tudo
fluía com maior naturalidade, harmonia e boniteza. Pude observar um contorno dourado
nas portas azuis da igrejinha, vi que o umbuzeiro florescia e que o barco estava
em reforma, chamava-se Malvina. Olhei para a praia, a maré estava baixa, um
grupo de gaivotas perseguiam um sujeito que atirava sua tarrafa ao mar. Em
algum momento, de uma maneira que não percebi, chegou uma cerveja que refrescava
a ansiedade. Minha e de meu sócio, que a essa altura já esboçava um sorriso
meio bobo.
Um rasta chegou do nada:
– E aí brother? Vai uma miçanga? Um
colar?
- Vou querer não meu amigo...
- Ô meu Rei, me dê uma moral que tô
varado de fome!
- Sente-se aí com a gente – disse meu
sócio apontando uma cadeira – este vermelho está grande demais, dá pra nós três
e ainda sobra.
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