sábado, 30 de abril de 2022

Papo de Coroa

Sobre humanização e ambiente de trabalho.



Quando eu comecei a trabalhar lá no século passado o barato das empresas descoladas era investir no "bem estar" dos funcionários. A ideia era que funcionários supostamente mais felizes produziam mais. 

Eles davam um monte de engodo. Era mochila, caneta, calendário, nécessaire e toda sorte de quinquilharia  com logo da empresa. Sempre tinha umas camisas polo de qualidade ilibada, daquelas que a gola coça o pescoço trazendo no verso uma frase bacana do tipo "eu visto a camisa". E ficava todo mundo achando que seu emprego é uma espécie de equipe de remo.

Palestra motivacional era uma por mês. Tinha coral da empresa, time de ping pong da empresa, campeonato de futebol, de vôlei, de sueca, de purrinha e o escambau. Os empregadores mais endinheirados até contratavam umas mulher gostosa e uns ômi gostoso pra ir uma vez por semana fazer um alongamento de 5 min com a galera. Chamava-se ginástica laboral. Eu gostava.

Até que um dia um sabido achou que isso era um grande desperdício de dinheiro que só produzia funcionários preguiçosos e lenientes. Daí inventaram o tal do intraempreendedor. Que é um empreendedor dentro de um empreendimento de outro empreendedor. Sendo o de dentro o que trabalha e o de fora o que lucra. É um papo de crescer o bolo pra depois dividir que eu não sei se entendi direito, tampouco tenho capacidade de explicar, fico achando que é caô.

Daí cortaram todas essas baboseiras de camisa polo e campeonato anual de sinuca por austeridade e metas. Austeridade se resume a gastar o mínimo. É o limite da muquiranagem além do qual corre-se o risco de ser processado por maus tratos . Metas, explicou o professor Clóvis, são como cenouras que o funcionário de bem deve perseguir feito um coelho esfomeado. 

Em síntese, se você trabalhar bem desconfortavelmente e cumprir todas as metas, receberá um bônus que é um pouco mais do salário que você já recebe. Pode não parecer muito atraente. Mas daí se você for um bom cumpridor de metas poderá um dia, quem sabe, assumir um cargo que só os mais qualificados conseguem. Nesse dia... se ele chegar... aí sim vai ser uma grana dUcaralho, dizem. Mas foi daí que inventou-se um lance de mérito.

Mérito é assim. Lá no passado todo mundo tomava o mesmo café que uma tia vinha servindo de baia em baia. Agora não tem mais a tia do café. Cortaram esse custo. Cortaram também o café. Mas colocaram um monte de máquina de café em cápsulas com 135 sabores diferentes feitos rigorosamente com o mesmo tipo café solúvel. Então, ao invés de ganhar um café ordinário, você vai comprar uma cápsula de café da Colômbia, da Alta Mogiana, ou sabe-se lá de que bairro de Araguari. E em seguida fazer, você mesmo, o café que você pode tomar porque, afinal, você ME-RE-CEU.

Não me pergunte o que era melhor se as camisas polo que coçava o pescoço ou os cafés de cápsula. Porque um dia vai aparecer alguém mais entendido que eu e dizer que são lados diferentes de um mesmo vintém. 

Mas eu sinto mesmo falta é da tia do café. Não do café da tia, mas dá tia do café. Lá onde eu trabalhava ela sim era a razão pra gente gostar daquela firma. Dona Bebel era uma paixão coletiva. Dava conselhos de amor e de investimento. Ensinava simpatia pra curar toda sorte de dores ou agouros. Colocava seu nome e dos seus parentes no livro de oração da igreja. Fazia mapa astral. Indicava livro. Dava spoiler da novela. Interpretava sonho. Trazia chá de carqueja na segunda e de ginseng na sexta. Beijava quem era de beijo, abraçava quem era de abraço. 

Como se não bastasse Dona Isabel era da zueira. Adorava chamar as pessoas pelos apelidos. Sabe aquele cara que tem um apelido que detesta?
Então a gente ensinava...

- Vai lá Bebel, chama ele de palhaço carequinha.

E lá ia ela:

- PALHAÇO CAREQUINHA, vai querer chá ou café?

E quem ia retrucar Bebel que em matéria de candura só perdia pra Virgem Maria e pra Santa Rita de Cássia? A galera caía na risada.

Um dia entrou na companhia um playboy desses de Ipanema. Rapazote criado com Nan e geleia de mocotó. Há de se admitir que o cara era presença. Acho que foi o primeiro marombeiro que conheci pessoalmente. Corpo de judoca, andar de mestre sala, olhar firme e uma barba cuidadosamente deixada por fazer.

Um dia a gente falou pra Dona Isabel:

- Bebel, vai lá e aperta a bunda dele.

- Ai ai ai gente, que isso? O rapaz é novo na firma.

- Vai Bel, ele gosta.

- Gente, gente, vai dar ruim...

- Vai não Bebel. Só uma apalpada na bunda. Ele é da Zona Sul. Lá isso é normal.

Bebel foi de em cheio na bundinha torneada do playboy. O sujeito deu um pulo:

- Que iiiiiiiiisso Bebel?

- Calma moreno, você quer chá ou café?




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5 comentários:

  1. História é história. Sensacional. Como a vida passa rápido...

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  2. Essa bebel deve ser uma figura querida!

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  3. Poxa.... voltei ao passado. Legal demais. Saudades da Bebel, da Geiza do café também, daquele que parecia o Evandro mesquita... de um tempo aonde o trabalho era um ambiente de humanidade e trabalho. Não adianta colocar uns poofs com as cores do Google, pintar uns barris e fazer de mesa senão tem essência. Fica fake, forçado, cafona...iguais aos síndicos de subúrbio!!

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  4. Eu queria saber quem é o palhaço carequinha e quem é o marombeiro zona sul. Mesmo sem conhecer, tenho saudades da Bebel. Mesmo sem conhecer, tenho saudades da época da tia do café. Genial, Lapita!

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