sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O homem do serrado



 Antes sequer do advento da bossa nova o historiador Sérgio Buarque de Holanda definiu o brasileiro como “o homem cordial”. Olho por cima da minha xícara de café e observo o movimento da Rua do Ouvidor. Rapidamente percebo que por aqui muito se preservou da arquitetura dos tempos do velho Buarque de Holanda. Contudo me questiono se tivemos o mesmo cuidado em manter, ao longo das décadas, o charme do nosso ser cordial, brasileiro.

Não confundam cordialidade com amabilidade ou polidez. O homem cordial é aquele que age com o coração, que sabemos, possui razões que a própria razão desconhece. Pessoas cordiais são sanguíneas, expansivas, francas e leais. Gente boa de embate e de resenha. Entretanto me vejo rodeado por sujeitos taciturnos, debruçados sobre seus egocêntricos smartphones.  Por onde andará a nossa cordialidade? Para encontrar a resposta, foi necessário retomar a definição que Frei Vicente do Salvador conferiu aos nossos ancestrais colonizadores. Ele disse: são caranguejos que vivem a arranhar o litoral. Como posso observar um coração debaixo de tão espessa carapaça?

Numa viagem recente conheci um caranguejo que fora arrancado da lama do mangue e afastado o máximo do litoral. No planalto central, onde fora estabelecido, a umidade nesta época do ano ronda os quinze por cento. Prontamente o sol secou a lama que cobria o seu corpo crustáceo, convertida em poeira, foi levada pelo vento. E ele então pôde despir sua armadura, tedioso exoesqueleto, e exibir desnudo o miocárdio. Senhoras e senhores, eis o homem do serrado.

No encontro ele é assim mesmo, arredio, turrão, direto. Vá lá, o sujeito anda por aí sem carapaça. Tem mesmo que se proteger. Mas é tão mais fácil de lidar quando se olha direto ao coração. Esqueça os salamaleques, as formalidades. Não seja prolixo, coisa mais inútil. Vá direto ao ponto, pronto. - Podemos tomar uma dose de pinga? Mais um dedo de prosa... Então. Ganhastes um amigo. Ou um inimigo. Seja como for é sincero, verdadeiro.

Dizem por aí que quem encontra um amigo encontra um tesouro. E se esse amigo for cordial malandro, aí é tesouro pra Ali Babá nenhum botar defeito. Eis a grande vantagem evolucionária do homem do serrado. A amizade. Não essa amizadezinha fuleira de rede social que se acaba na primeira divergência. É amizade do cuidar, do compreender, do participar. O homem do serrado não é tolerante. Tolerância é para os cínicos. O homem do serrado aprendeu, em seu ambiente hostil, a conviver, cultivar e compartilhar. A cordialidade do homem do cerrado é a essência da civilidade.

No último século, bandeirantes entramos sertão adentro e moldamos a nossa identidade mais genuína. O homem do serrado. É tempo de fazermos o caminho oposto, do sertão ao litoral, e resgatar a nossa cordialidade. De nada nos serve o patriotismo vazio, ignóbil. É necessário evoluirmos ao ponto de olhar para o sujeito ao lado e reconhecer nele um ser humano. Tal como você, potencialmente brasileiro, potencialmente cordial.

3 comentários:

  1. Elessandre, gostei muito das suas palavras. Mas não sei se compreendi bem. É verdade que precisamos olhar para o outro e assim se reconhecer. E se não o fazemos, porque estamos tão voltados a si mesmo e aos smartfones, seria por que estamos deixando de ser humanos? O ser humano é um ser social. E valorizo demais essa característica do homem do serrado, por mais que nos dias atuais a sinceridade é algo que incomoda.

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  2. Elessandre, gostei muito das suas palavras. Mas não sei se compreendi bem. É verdade que precisamos olhar para o outro e assim se reconhecer. E se não o fazemos, porque estamos tão voltados a si mesmo e aos smartfones, seria por que estamos deixando de ser humanos? O ser humano é um ser social. E valorizo demais essa característica do homem do serrado, por mais que nos dias atuais a sinceridade é algo que incomoda.

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  3. Perfeito!!! "Tolerância é para os cínicos."

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