sábado, 3 de agosto de 2024

Taquaras



Existem ao menos duas Taquaras na região metropolitana do Rio. A primeira delas fica nos confins de Duque de Caxias. Lá onde a Serra da Estrela delimita a Baixada Fluminense.

É um cantinho espremido nas escarpas de uma montanha imensa. Donde despencam cachoeiras, braúnas, umburanas, bem-te-vis e bromélias. O bairro é cortado por um rio, que na minha infância parecia imenso e hoje corre um tanto minguado. 

Nesta Taquara meus avós tinham uma chacrinha, cuja entrada era ladeada por pés de café. Se a gente tivesse sorte, chegava lá no dia em que o vô estava fazendo a torra. E o cheiro inigualável do café saía pela porteira e percorria toda a rua de terra, até nos alcançar na estrada de rodagem, onde a gente descia do ônibus. 

A casa dos meus avós era uma casa de muitos aromas. Cheiro de fumeiro, quando meu avô curava a barriga de porco e as linguiças que ele mesmo produzia. Feitas a partir dos porcos que ele mesmo criava, a base de milho, abóbora e chuchu, que ele mesmo plantava. Se bem que dizem que ninguém planta chuchu. Fosse como fosse, lá tinha à beça. 

Tinha também cheiro de torresmo estalando no tacho. Cheiro de carne de lata. Cheiro de lenha e do feijão que cozinhava por horas no fogão que ficava na varanda.  

Cheiro do trigo da massa fresca que minha vó fazia. Minha vó tinha os dois pés na Itália.  Tanto que foi a única da família que ficou feliz, e até cantou e dançou, quando o Paulo Rossi fez o que fez na copa de 82. E você que fosse lá dizer para a nona que ela estava errada. 

A comida dela tinha gosto de pimenta do reino. Quando eu era criança, na casa dos meus pais nunca tinha pimenta do reino na comida, mas na vó tinha. Eu amava a comida apimentada da vó e nem sabia explicar o porquê. Agora que sou adulto e preparo minha própria refeição, coloco pimenta do reino até no café da manhã.

A varanda da minha vó tinha cheiro de arruda, a sala dela tinha cheiro de pinho e o quarto dela tinha o cheiro dela. Cheiro que eu não sei explicar o que era, ela dela só. O meu avô cheirava a madeira recém cortada, cheiro de campo. Aroma que eu sentia mais forte quando ele me emprestava o chapéu.

Hoje eu fui na outra Taquara, na de Jacarepaguá. Um bairro agitado, com um comércio efervescente e um trânsito que parece saído de algum dos mais tenebrosos versos de Dante Alighieri. 

Apesar desse centrinho caótico, a Taquara de Jacarepaguá tem em seus arredores ruas com quadras tranquilas. E casas com quintais. Lá também tem uma serrinha e até uns arremedos de cachoeira. 

Pois bem. Hoje, antes de chegar na Taquara (de Jacarepaguá), resolvi parar ali na Lopo Saraiva. A Lopo Saraiva é a rua onde o trânsito de quem vem encontra o trânsito de quem vai. Uma confluência viária saída dos devaneios de algum engenheiro de tráfego muito criativo e pouco pragmático.

Nessa esquina do mundo tem um baiano que corta o meu cabelo. Do lado da barbearia do baiano tem uma cafeteria. A dona da cafeteira é uma moça simpática com ótimo gosto musical. Hoje eu pedi o meu cafezinho - coado e sem açúcar - e notei que ela colocou no cardápio um sanduíche de pernil no pão de queijo - quero.
 
E não é que o cheiro do pernil do sanduíche me levou para o quintal do meu avô? E para o cheiro de madeira do seu chapéu. E para a pimenta do reino da minha avó. E para  todos os cheiros desta crônica . Se eu fosse você, eu corria lá. 



 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.

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