terça-feira, 28 de junho de 2016

O Caminho



Não é necessário acordar cedo. A preguiça é permitida. Tome o café com calma, se quiseres, abuse dos carboidratos, da manteiga, do queijo. Adoce a manhã com as frutas da estação, com bolo caseiro ou com ambos. Se a refeição lhe render um pouco mais de sono, não resista, seja complacente, tire um cochilo. Não é tão mal assim tomar o caminho por volta das dez.

Você pode começá-lo de três maneiras. Pela estrada, subida longa, porém suave e sinuosa. Pelas escadarias ao final do recanto das jaqueiras, via de cheiro doce e subida rítmica de pelotão. Ou a trilha no fim da rua da Assembleia, a minha preferida, íngreme e direta. Se fores no verão terás a chance de encontrar um ou dois bandos de bugios. O macho alfa, vai te ameaçar com sua barba ruiva e seu rugido bravio de leão amofinado. Não tenha medo, aperte o passo apenas para não importunar o pobre animal, ele certamente estará mais assustado que você.

O final da trilha é na estrada, num ponto onde ela faz uma curva acentuada descortinando uma vista magnífica da enseada do Abraão. As embarcações alinhadas perpendicularmente à costa de areia amarelada e águas verdes. A igrejinha à esquerda, as casas e o comércio à direita. A esta distância o burburinho dos turistas é de uma harmonia tão singela que se esconde sob a palma de uma mão. Siga subindo a estrada até o ponto em que ela se confunde com o horizonte, parecendo findar num precipício. Eis o ponto mais alto do caminho, de agora em diante, ladeira a baixo.

Fique atento ao lado direito, não perca o atalho do bambuzal. Por este trecho, que mais parece o leito seco de um córrego, os bambus se tocam compondo uma harmoniosa melodia de flauta andina. Lave seus ouvidos na música das árvores. Ao voltar para estrada fique atendo ao som dos pica-paus batucando nos galhos ocos. Se for em setembro, os sabiás, com suas canções de poeta apaixonado, darão um show à parte. Bem-te-vis, canários, saíras, papagaios. Macacos-prego se equilibrando nas copas das árvores. Um casal de esquilos tímidos. Cheiro suave de flor, gosto distante de mar. Ao fim da descida, onde a via se alinha, olhe para cima. Há uma tropa de palmeiras imperiais perfilada às margens da estrada. Elas guarnecem a entrada da vila. Você chegou a Dois Rios, por uma ponte você atravessa o primeiro deles, o outro te aguarda no fim da praia.

Se depois desta andança tiveres com fome, ou gula, procure bem no meio da vila o restaurante, é o único. Aprecie o melhor da cultura caiçara: a mesa. O peixe incrivelmente branco e fresco, o aipim, a couve, o arroz, o feijão. O suco é da fruta do quintal, mas você merece, caminhou tanto, a cerveja está incrivelmente gelada. Sirva-se à sombra da majestosa mangueira, observe um tucano a te espiar meio de lado. Respire. Saboreie. Peça a sobremesa. Cochile se sentires vontade. Depois caminhe até a praia. Uma enseada bem protegida, de areias brancas e ondas lenientes.

Vá ao encontro do segundo rio, onde finda a praia. Sua foz faz uma curva preguiçosa à esquerda, desenhando uma praça de areia perfeitamente circular. Siga a margem do rio até o ponto onde se inicia o manguezal e não é mais possível caminhar. Dê um mergulho, a água é morna e salgada em cima, fria e refrescante no fundo, regime laminar. Sinta a argila sob os seus pés, a água por sua cintura, o vento no o seu peito o sol sobre sua cabeça. Dê outro mergulho, a água é realmente bem mais fria no fundo. Volte para a areia, estire-se ao chão, quem se importa?

Feche os olhos, ouça as ondas do mar ao longe. Ouça a espuma se desfazendo na praia, ouça o tilintar das folhas e o zumbido dos insetos. Ouça os seus batimentos, a sua respiração. Sinta o calor do seu corpo, o fluxo nas suas veias. Escute a música de sua alma, melancólica, diminuta. Canção praieira, boa de se ouvir, aconchegante como colo de mãe. Enfim encontre o que veio buscar, encontre a si. E se no ponto mais profundo desta solidão encontrares outrem, não tenhas dúvidas. Peça-o em casamento.



Licença Creative Commons
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.

5 comentários:

  1. Que lindoooo! O pedido de casamento mais lindo num lugar quase particular...

    ResponderExcluir
  2. Que lindoooo! O pedido de casamento mais lindo num lugar quase particular...

    ResponderExcluir
  3. Magnífico meu amigo.E incrível como sua histórias abrem um portal para que possamos fazer parte delas, vivenciando-as mesmo que que tenhamos entre elas e nós um smartphone, tablets ou laptops.

    ResponderExcluir

Meu primo Célio

E tem esse meu primo Célio, que na intimidade a gente chama de Celinho, de alguma forma ele sempre foi vanguarda. No início da d...